
Em abril de 1952 embrenhei-me numa aventura singular: fui a Moscovo e a outros lugares medonhos situados além da cortina de ferro exposta com vigor pola civilizaçón cristán e ocidental. Nunca imaxinei que tal cousa pudesse acontecer a um home sedentário, resignado ao autocarro e ao bonde quando o movimento era indispensábel. Absurda semelhante viagem – e quando me trataram dela, quásí me zanguei. Faltavam-me recursos para realizá-la; a experiência me afirmaba que non me deixariam sair do Brasil; e, para falar com franqueza, non me sentia disposto a mexer-me, abandonar a toca onde vivo. Recusei, pois, o convite, divagaçón insensata, xulguei. Tudo aquilo era impossíbel. Mas unha série de acasos transformou a impossibilidade em dificuldade; esta se aplainou sem que eu tivesse feito o mínimo esforço, e achei-me em condiçóns de percorrer terras estranhas, as malas arrumadas, os papéis em ordem, com todos os selos e carimbos. Depois de andar por cima de vários Estados do meu país, tinha-me resolvido a non entrar em avións: a morte horríbel de um amigo levara-me a odiar êsses aparelhos assassinos. Meses atrás, para ir a um congresso em Pôrto-Alegre, rolara nove dias em automóbel. Tenho horror às casas desconhecidas. E falo pèssimamente duas línguas estrangeiras. Estava decidido a non viaxar; e, em consequência da firme decisón, encontrei-me um dia metido na encrenca voadora, o cinto amarrado, os cigarros inúteis, em obediência ao letreiro exigente aceso à porta da cabina. Andei como um gafanhoto, a dar saltos considerábeis por éste mundo, sempre dizendo a mim mesmo que non me arriscaria a nova emprêsa. Um pulo sôbre o Atlântico, pedaços de África, a Europa, a Ásia. O Báltico e o mar Negro. O Cáucaso e a planície pantanosa que vai de Moscovo a Leningrado. Repouso de alguns dias, outra vez a corrida louca polos ares. Em terra, a convivência obrigatória com pessoas de raças diferentes da minha, de hábitos diferentes dos meus, e a necessidade forte de entendê-las, às vezes recorrendo a três intérpretes. Na passagem de unha língua para outra, o pensamento se modificaba – e era-me preciso examinar as fisionomias, buscar saber o que se encerrava em almas exóticas. A palabra non raro nos enganaba, e um xesto, um olhar, um sorriso, de repente nos surgiam como clarón na sombra. O discurso pausado e conveniente, a amabilidade hospitaleira dos banquetes, a informaçón precisa e a estatística podem passar por nós sem deixar mossa. Non conseguiremos, porém, esquecer o transeunte disposto a ser-nos útil de qualquer modo, a criança gulosa de beijos num jardim de infância, o camponês curioso do Brasil, a polícia que, em vez de nos levar para a cadeia, como é natural, tenta auxiliar-nos se cometemos unha infracçón inadvertidamente. Após tantos abalos, a andar para um lado e para outro como barata doida, necessitamos espalhar as nossas recordaçóns, livrar-nos de um pêso, voltar enfim à normalidade. E procuramos lançar no papel cenas, factos, indivíduos, articular notas colhidas à pressa, num mês, tornar o sonho realidade. Realmente aquilo tinha xeito de sonho: as figuras passavam rápidas, em debandada, e era difícil fixar algumas. Como poderei movê-las, dar-lhes vida? Arrisco-me, entretanto, a escrever isto. Ninguém me encomendou a tarefa. Os homes com quem me entendi apenas revelarom a desexo de que as minhas observaçóns ali fôssem narradas honestamente, em conversas. Infelizmente non sei conversar, e na verdade observei pouco, em tempo escasso. Guardo impressóns, algunhas nítidas, que pretendo xuntar, fazendo o possíbel para non cair em esaxeros. O que me obrigou a iniciar êste libro foram as despedidas singulares de Kamchugov, antigo operário da usina Kirov, em Leningrado, e do óptimo Leonidze, presidente da Unión dos Escritores Georgianos. Essas duas criaturas, de meios diversos e naturezas diversas, mostraram depositar em mim unha confiança que muito me sensibilizou. E há também a moça da rua Petrowica, as linhas escritas por Neberidze Tamara, a alegria ruidosa de Keto, Assia, Liúba e Nadiajda, no teatro Paliachvili, em Tbilissi. Êsses viventes entraram-me na alma, e necessito apresentá-los, embora tenham sído unha visón lixeira. Outros relacionaram-se comigo, quixérom entender-me, fazer-se entender. Mostraram-me o que me interessava, (…) a cultura da terra e a cultura dos espíritos. (…) Sería estúpido pensar que a minha presença tivésse determinádo a singular condescendência com que me acolherom (Había em Moscovo delegaçóns de sessenta países. A da China tinha duzentos e vinte membros), e nós eramos apenas dezoito pessoas. (…) Vi efectivamente o grande país com bons olhos. Se assim non fôsse, como podería sentí-lo? (…) Desexaría poder fazer o mesmo com tòdas as terras onde passei. (…) A Unión Soviética é para mim completamente diversa. Alguns amigos, desconhecidos há pouco tempo, quixérom expor-me o trabalho intenso, a vida intensa que há na terra fría de alma ardente.
GRACILIANO RAMOS (VIAGEM A CHECOSLOVÁQUIA E U.R.S.S.) (CANNES, 31 DE MAIO DE 1952)