O TEMPO E A ALMA (A INÊS NEGRA)

O Castelo tem algunha história. A mais popular é a de Inês Negra, heroína que ficou na lenda. Duarte Nunes de León conta as cousas desta maneira, na sua “Descriçao do Reino de Portugal”, composta no século XVI: “No tempo que el-rei D. Joao o I de Portugal trazia guerras com el-rei de Castela sobre sucessao do reino de Portugal, estando o de Portugal sobre a vila de Melgaço que tinha em cerco, uma portuguesa que com os cercados estaba, mulher corajenta e mui desenvolta para unha briga, sabendo que no arraial estava uma mulher também portuguesa que tinha fama de valente e de non levar duas em capelo, querendo mostrar sua pessoa a mandou desafiar, e com licença do capitao saiu fora dos muros para escaramuças com ela, e vindo às maos, e perdidas ou gastadas as armas que traziam, andaram na luta tanto que deram grande prazer aos de dentro e aos de fora, que as viam, e por fim, aproveitando-se das maos, das unhas e dos dentes quanto puderam, a de dentro, que tinha por Castela, foi desbaratada, e com muitos apupos e gritos de todo o arraial se tornou para os de dentro, corrida e escabelada, e com muitas nódoas nos focinhos dos punhados de que foi servida da de fora, que ficou triunfando.” Fernao Lopes refere-se a esse duelo de mulheres, sem tantos pormenores, mas dá-nos muitas outras notícias sobre o cerco, que se arrastou perto de dois meses. Um outro duelo ocupou todo esse tempo: uma competiçao entre a antiga artilharia, de balestras e catapultas, e a moderna, de trons a que a pólvora dava força. Os cercados tinham trons, e durante o cerco deram cento e vinte tiros; o rei de Portugal mandou fazer uma enorme catapulta, que atirou trezentos e trinta seis penedos sobre a vila; mas a catapulta revelava-se muito superior a boca de fogo, nao só por dar mais tiros, mas por ser mais certeira. Ao passo que as pedras do trom “nenhum nojo fizeram”, os tiros do engenho acertam nos alvos, derrubando muros e telhados. Na minúcia com que regista as pedradas atiradas por cada um dos adversários, a simpatia do cronista vai evidente para a velha arma, ou porque fosse portuguesa ou porque representasse a tradiçao. O cerco acabou com a rendiçao dos Melgacenses, que conseguiram salvar as vidas, saindo apenas com seus giboes. O garotio juntou-se à porta do castelo e, por escárnio, metia nas maos de cada um unha cana. Os vencidos fingiam nao entender a injúria e brincadeira com os cachopos: Aconteceu isto em 1388. Melgaço entra na nova monarquia, mas a sua liberdade pouco mais havia de durar. Uma família local, os Castros, tinha de avoenga o exercício da alcaidaria e esmagou os moradores com exigências e alcavalas a torto e a direito.

JOSÉ HERMANO SARAIVA E JORGE BARROS

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