
A MINHA HISTÓRIA CNA. (CAPÍTULO 5)
Existia um professor baixinho; cara risonha que via todos os dias no corredor, mais ou menos na galhofa com os alunos que conhecia. Parece-me que se tratava do Dr. Alves ou “pica-pau”. Este homem faleceu. Estávamos às portas das festas. A Direcçao do Colégio decretou unha espécie de luto onde a “praxe” ficava suspensa e as famosas fugas ficavam prohibidas. Um tal “comité da praxe”, em princípio, negou-se. Deram uma espécie de consultas boca-a-boca e os alunos-veteranos estávamos decididos a dizer: Nao; pretendíamos manter a ditosa tradiçao. Tudo estava encaminhado para a rebeldia, quando o ditoso “comité da Praxe”, cede e aceita as directrizes institucionais. No entanto, um grupo de onze alunos, resolve manter a tradiçao e continuou com os preparativos da sua fuga. Tornava-se mais difícil e seria importante nao ser apanhado. Teríamos que desaparecer durante a noite e como mandavam as regras, depois da meia-noite. Teríamos que saltar do quarto para a rua e desaparecer da cidade antes que o Sol nascesse. Estávamos no andar do Manuel Faia. Até ao tecto do que creio recordar que era a enfermaria ou alguma dependência logística que estava por alí, havia dois andares. Arranjamos uns cordeis relativamente fortes e demo-nos ao trabalho de os unir. Non pensamos nos nós, ou pensamos, mas, non tivemos em conta o efeito dos nós nas nossas máos. Passada a meia-noite os onze predestinados reunimo-nos no meu quarto. O meu quarto fugiu em pleno, menos, o necessário colaborador, que ficava para aguentar a cama e desatar a corda e manda-la pela janela fora. Adianto, desta fuga, três nomes; dos outros nomes … nao me lembro; pode ser que um dia nos xuntemos aqui ou numa almoçarada e venham à luz do dia; um era eu; outro era o Hélder F. e o outro era o homem para tudo: J. Manuel L. Sousa. Passada a meia-noite, desparafusamos a janela; atamos o cordel-corda a uma cama e toca para o telhado daquele andar rasteirinho. Eu e vários dos aventureiros quando chegamos aquele telhado, tinhamos as gemas dos dedos destroçadas pelos nós do cordel-corda. Era difícil agarrar bem e chegamos ao telhadinho resvalando e as maos padeceram seriamente a acçao. Desse rés-do-chao chegamos à rua, deslizando-nos pelos canos que escoavam a água da chuva. Com os pés já bem assentes na estrada, começou entao, o correr sigiloso caminho da estaçao para apanhar o primeiro comboio para Torres Novas. Lá fomos olhando ou sem olhar, para as nossas ferídas maos. Apanhamos o comboio muito cedo e ficamos muito felizes, porque o frio estava a fazer das suas nas feridas. Chegamos a Torres Novas e como estava programado, fomos rio acima para estar bem protegidos das intençoes malévolas do caça-fugitivos Pinto. Caminhamos. Depois de andar um bocado encontramos uma casa-bar à beira-rio, que tinha conservas e outras coisas para abastecer os pescadores. Juntamos os trocos e compramos as conservas que queríamos e penso que mais alguma coisa como pao. Quando chegou a hora do almoço montamos o nosso “pic-nic”. As sardinhas em tomate que comi, souberam-me a glória. Ainda hoje recordo a satisfaçao que senti. Foi-se fazendo noite e fomos regressando, cautelosamente, a Torres Novas para regressar e entrar no Colégio antes das aulas, para isso, teríamos que estar aptos para enfiarmo-nos entre os alunos externos. Dormimos aquela noite num descampado onde havia carros meio abandonados. Eu dormi num “Citroen”. Pela manhazinha já chegamos a Tomar e, pé ante pé, fomos aproximando-nos da porta traseira, por onde entravam os alunos externos. Entramos. Sentimos como o Pinto chuchara o dedo. As feridas doíam. Mal entrei, num corredor o calor parece que beijou as minhas feridas e sentí-me aliviado. Mas, eilaí-eilaó !!!! Finalmente, estávamos debaixo de olho…. Fomos direitinhos para o escritório do Doutor Raul Lopes. A táctica consistia em dizer que nao sabíamos nada da suspensao da praxe. O Doutor Raul, semblante sério, estava com ar de quem, puxaria da vara mágica e a Terra tremeria. CAIU CASTIGO !!!!!!!!! Mas, a “minha memória selectiva”, non me sabe dizer bem a totalidade do castigo. Uma semana de estudos de meia-noite, caíu com toda a certeza, certezinha; um fim-de-semana sem sair, também caíu. No entanto, creio que foi desta feita, que fúi (fomos) parar a um quarto-cela. Recordo-me, sentado no chao numa sala isolada, portanto, também deve ter caído “isolamento”. Nao recordo outra ocasiao onde o castigo possível fosse: “estar de cana”. Hoje, vendo-me e revendo-me, sinto-me satisfeito por ter desobedecido, tanto à instituiçao como ao tal comité da praxe.
JOSÉ LUÍS MONTERO MONTERO