Arquivos diarios: 23/12/2018

MONTAIGNE (O COXEAR DA RAZÓN)

.

               Entre 1548 e 1550, Montaigne estuda direito na Universidade de Toulouse (muito provavelmente) e, depois, de 1551 a 1554, continua em París os cursos de literatura grega e latina, ensinados por Adrianus Turnebus (vraimentgermain para Justo Lípsio, “o homem mais douto que resta”).  Também assiste às licçóns de direito de Jean de Coras, professor da Boétie e xuíz no famoso processo Martín Guerre, um dos mais conhecidos e debatidos da segunda metade do século XVI (1560), ao qual Montaigne recorda ter assistido nos primeiros anos da xuventude, segundo atesta no capítulo Dos Coxos (III, 11).  Tratava-se de um processo por roubo de identidade, onde um tal de Arnauld du Tilh se fez passar, durante um longo período de tempo, por Martín Guerre, que tinha fuxido da sua povoaçón após ter sido acusado de ser um ladrón.  Tratou-se de unha espectacular diatribe xudicial com testemunhos declarados a favor de um ou do outro no meio de unha onda de emoçón colectiva.  O último acto da traxédia representada por Arnauld (o falso, embora num primeiro momento tenha sido reconhecido como o autêntico por toda a comunidade) e Martín (o verdadeiro), estava cheio de estranhezas e “prodíxios”.  Entre eles, destáca-se a memória hipertrófica de Arnauld (o pseudo-Martinus) que, durante o interrogatório, se lembra de todo o passado de Martín (a tal ponto que evoca o espectro da maxía: unha memória como aquela tinha de ser fruto de unha arte diabólica), enquanto o “verdadeiro” Martín parecia non se lembrar totalmente da sua história pessoal, de modo que, nas suas respostas no xulgamento, se esconde, frequentemente, atrás de um raivoso “non me lembro” ou um “non sei”.  O que desconcerta Montaigne non é a condenaçón da impostura, mas antes o facto de esta ser “tán maravilhosa”, tán cheia de “prodíxios”.  As acusaçóns enumeradas na sentença iam da “falsidade”, “substituiçón do nome e da pessoa”, ao “adultério”, “sequestro”, “sacriléxio”, “pláxio” e “roubo”.  As abundantes notas de Jean de Coras dán unha ideia precisa da desconcertante “estranheza da impostura monstruosa”, concebida a partir da surpreendente semelhanza física entre Arnauld e Martín, e também da desorientaçón da Corte perante a insistência na mentira (Du Tilh “mostra-se mais obstinado do que nunca”), para non falar da prodixiosa memória da qual se vangloriava o falso Martín, um duplo talvez mais perfeito do que o autêntico.  A referência da “sentença” ao efeito de maxía cumpre-se através de tal lonxitude de onda: “Fortis imaginatio generat casum” (unha forte imaxinaçón cría o caso).  Quem melhor do que Montaigne podía sabê-lo?  O tribunal encontrava-se “nunha grande perplexidade”.  Du Tilh nunca confessará o que os xuízes queriam ouvir (o exercício da arte máxica).  Enquanto a sentença faz apenas alusón à circunstância de que o “Martín que regressa”  tem unha perna de madeira, ou sexa, é coxo.  Du Tilh é condenado à fogueira: “enforcado e depois queimado”, com unha suposta “clareza luminosa”.  Coras e o Tribunal, em vez de dizerem “non percebo nada”, de acordo com o pesado dogmatismo da certeza, actitude intelectual e máscara do “coxear”, percebem tudo, “id est” “absolutamente nada”.  O Tribunal devería ter admitido a sua absolucta incerteza, declarar-se impotente e adiar a sentença.  No entanto, a razón dos xuízes, débil e coxa como qualquer razón humana, dita a condenaçón à morte.  E Montaigne servir-se-á deste caso emblemático no mesmo capítulo (III, 11), xustamente para condenar a pena de morte:  “Para matar as pessoas é necessária unha clareza luminosa e nítida como a luz do meio-día.  Unha clareza que a razón débil, coxa por excelência, non possui.

nicola panichi