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Breve reconstruçao do contexto social e histórico que alimentou o pensamento sartriano recordando a situaçao filosófica em relaçao á qual se posicionou. Para isso, temos de recuar ao coraçao do século XIX, esse momento em que o horizonte filosófico está enquadrado por Hegel, ou seja, pela força do pensamento dialéctico, essa consideraçao do real que entendia os jogos sociais como confrontos que, por fim, se resolveriam num momento esplendoroso, no previsível fim da história. Nao é apenas Hegel que se espraia nesse pensamento central. Disse já que a força do pensamento dialéctico é a marca fundamental do século XIX, e de facto, com as variaçoes que tentam juntar autores como Marx ou Bakunin, o núcleo da dialéctica permanece, como se estas variaçoes fossem secundárias. Contudo a aventura hegeliana começou a ser considerada pelas autoridades conservadoras como um adversário que convinha importunar. A operaçao de ataque tornou-se explícita em 1841, quando Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling, que fora condiscípulo de Hegel, com quem partilhara quarto durante o período em que os dois estudaram em Tubingen, foi chamado por Frederico IV da Prússia á Universidade de Berlim, alguns anos depois da morte do seu velho amigo, para tentar “extirpar as sementes do dragao hegeliano”. O monarca sabia que essas sementes tinham começado a florescer na consciência e na práxis do que conhecemos como esquerda hegeliana, esse grupo de jovens estudiosos que tentavam orientar a dialéctica para uma utilizaçao política e subversiva. Tratar-se-ia de uma oportunidade tardia, surgida apenas quando as autoridades se deram conta da “perversao da dialéctica”? A dialéctica seria considerada um perigoso inimigo em 1841? Anteriormente, teria sido um saber inocente e neutro, suportável? Nao me parece que se possa aceitar essa ideia se tivermos em conta a conhecida animosidade e a antipatia que lhe era professada por Schopenhauer, concorrente de Hegel enquanto docente, ferozmente antidialéctico, e que, durante a vida do afamado filósofo, clamou continuamente contra os “disparates” hegelianos e a sua “salgalhada verborreica”. A verdade é que se fora organizando uma frente anti-hegeliana que, por outro lado, nao se apresentava como tal: tratava-se antes de apariçoes dotadas de maior ou menor fragilidade, mas que se foram propagando nas entranhas do ofício filosófico. Foi nesse espírito que apareceu Kierkegaard, que se deslocou a Berlim para estudar filosofia e se declarou partidário fervoroso da subjectividade diferenciada. Toda esta agitaçao filosófica daria lugar á filosofia nietzschiana. Para captar o seu espírito bastará a alusao a “Acerca da Verdade e da Mentira no Sentido Extramoral”, ensaio no qual Nietzsche, perguntando-se o que é a verdade, afirma que é “uma multidao móvel de metáforas, metonímias e antropomorfismos”, um conjunto de ilusoes “que esqueceram o que sao”. Como se pode perceber, a revogaçao da filosofia como saber rigoroso é absoluta e o filósofo converteu-se num literato, no sentido mais comum da designaçao-, apesar de nao se apresentar como tal, mas investido da aureóla da respeitabilidade que lhe é concedida por exercer um ofício orientado para a descoberta da natureza das coisas, do homem e da sociedade.
J. L. RODRIGUEZ GARCIA
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