Arquivos mensuais: Abril 2017

SIGMUND FREUD (A RELIGIAO)

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               Propositadamente, reservamos um lugar particular para o comentário ao papel da religiao na cultura.  O seu enorme peso cultural e histórico e a transcendência que a reflexao sobre a religiao tem na obra freudiana exigiam que lhe dedicássemos uma atençao especial.  Assim, neste ponto passamos a abordar a religiao na óptica crítica da psicanálise freudiana.  Querendo ter uma ideia global da visao freudiana da religiao, teremos de nos socorrer de uma das suas obras mais significativas, “O Futuro de uma Ilusao” (1927), um texto do seu último período productivo.  Também se afiguram especialmente esclarecedores alguns princípios anunciados na magistral obra “O Mal-Estar na Civilizaçao”, da qual já nos ocupamos.  Decerto, estes nao sao os únicos textos que Freud dedicou, total ou parcialmente, á questao religiosa.  Poderíamos citar outros dois textos:  em primeiro lugar, um breve estudo, apresentado em forma de artigo e publicado poucos anos antes de “Totem e Tabu”, intitulado “Actos Obsessivos e Prácticas Religiosas” (1907), na qual Freud já estabelecia certas semelhanças entre as cerimonias levadas a cabo pelos neuróticos e as acçoes sagradas do rito religioso;  em segundo lugar, “Moisés e o Monoteismo” (1934 – 1939), uma obra na qual Freud aplica o método psicanalítico para esclarecer as origens históricas do judaísmo.  Apesar do grande interesse que têm muitos destes textos de Freud, aqui nao nos interessaremos tanto pela religiao enquanto fenómeno histórico, mas pela interpretaçao psicanalítica da origem do sentimento religioso.  Portanto, recorremos directamente a “O Futuro de uma Ilusao”, ou ao início de “O Mal-Estar na Civilizaçao”, onde Freud nos esclarecerá.  Uma vez definido o carácter essencial de qualquer sentimento religioso, por intermédio da técnica psicanalítica, Freud tentou mostrar as suas origens psíquicas, isto é, explicar de que forma se concebia tal ideia na mente das pessoas.  Dado que o que caracterizava o sentimento religioso era uma sensaçao de completa ausência de limites, o primeiro objectivo de Freud foi demonstrar o carácter indefinido daquilo a que chamamos “Eu”.  Em geral, Freud afirmou que a religiao era um tipo de ilusao de carácter infantil, uma “ilusao” que radicava num intenso e íntimo desejo de protecçao;  a religiao, como já sucedia com uma infinidade de marcos e expressoes da nossa natureza, manifestava uma dependência absoluta do desejo.  Como podemos observar, para se referir á visao da realidade que era própria do homem religioso, Freud usou o termo “ilusao”, e insistiu que, por “ilusao”, nao se deveria entender uma espécie de “delírio”.  Ambos, “ilusao” e “delírio”, eram, com efeito, fruto do desejo, mas as ideias delirantes, ao contrário das ilusoes, eram absolutamente contrárias á realidade.  A “ilusao” de carácter religioso era, apesar de tudo, verosímil.  Freud tinha a convicçao de que, face a uma natureza cruel e a um destino incerto, o homem adulto se refugiava e revivia aquela situaçao infantil na qual o pai, poderoso e justo, era capaz de dar uma resposta satisfactória ás incertezas, dores e frustraçoes próprias desse estado de falta de defesa e indigência que é a infância.  O filósofo insistia em que se pensasse nos caracteres inequivocamente paternais que os deuses de todas as grandes tradiçoes religiosas adoptam:  os deuses vigiam e protegem, sao fortes e potentes, sábios, bons e justos.  Sem lugar a dúvida, sao os mesmos atributos que a criança, nas etapas iniciais do seu crescimento, atribui ao progenitor.  Estes “deuses-pais” sao vistos por parte do crente como aqueles que terao o poder de os afastar definitivamente dos horrores da natureza e de os reconciliar com a crueldade do destino.  Inclusivamente, como salientava Freud, os crentes nutrem em relaçao a Deus os mesmos sentimentos contrapostos e ambivalentes que a criança nutre pelo seu pai:  o “deus-pai”, é querido e respeitado, mas ao mesmo tempo é temido, e inclusive, em determinadas ocasioes, odiado.

MARC PEPIOL MARTÍ 

 

OS ACENOS DO SILENCIO

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I

Porque amamos desmesuradamente a palabra

amamos o silencio.

 

II

E nesta alborada aberta a todos os xílgaros

clarexar o silencio até tornalo belísima palabra inefábel.

 

III

De nada serve o pensamento

se non chegarmos á raiz da chama

De nada a palabra se non tocarmos o nervo do silencio.

 

IV

Sentir, indicar con cálido aceno a enerxía do poema

e adornar a palabra de branco silencio insinuante

e deixar unha notiña de música no incríbel Universo.

 

V

Amo a palabra exaltada se garda en si algún silencio,

se recolle a forza dos astros, da terra fonda, do soño,

se de modo libre desenmascara a Mentira con infinita paixón polo mundo.

 

FRANCISCO CANDEIRA

 

SIGMUND FREUD (A VIDA EM SOCIEDADE)

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                    Se quisermos entender a visao freudiana da sociedade e da cultura humana teremos de recorrer a três obras magistrais do nosso autor: “Totem e Tabu” (1913), a “Psicologia de Grupo e Análise do Ego” (1921) e “O Mal-Estar na Civilizaçao (1930).  Á partida, as três obras incidem em aspectos muito diversos, mas se colocadas numa determinada ordem projectam uma imagem muito completa e profunda de todo o humano.  Neste ponto, todavia, centrar-nos-emos especialmente no estudo de “O Mal-Estar na Civilizaçao”, já que se trata do diagnóstico mais imponente da cultura realizado por Freud e aquele que mais marcou o pensamento filosófico e sociológico contemporâneo.  “O Mal-Estar na Civilizaçao”  postula inicialmente uma ideia difícil de questionar:  os homens desejan ser felizes, isto é, queremos ver o nosso ideal de felicidade realizado na práctica.  Assim vimos programados por natureza:  o “Id” ou “Isso”, quer dizer, o estracto mais profundo e original do nosso “eu”, é governado pelo princípio do prazer.  Aspiramos, pois, a realizar esse gozo e a experimentar o contentamento ou a alegria que disso deriva.  Uma vida sempre prazenteira seria, claro está, uma vida feliz.  Sem dúvida, esta afirmaçao inicial de Freud contaria com o apoio de um filon nada desprezável de filósofos, os “hedonistas”, que, já desde a Grécia antiga, se tinham centrado na importância que o prazer tinha para a vida do homem.  Porém, o nosso meio nao nos facilita nada a vida, pelo contrário; sentimos uma infinidade de oposiçoes ao nosso impulso inacto para o prazer e a felicidade.  A natureza, como se costuma dizer, é cruel e nao tem compaixao por nós, e as relaçoes com os outros sao, frequentemente, fonte de frustraçao e insatisfaçao.  Nao sao só os agentes externos que nos impedem de realizar calmamente o nosso ideal de felicidade; também a nossa própria natureza nos impoe obstáculos; o corpo degenera e adoece, sumindo-nos em incontáveis dores e frustraçoes.  Perante tudo isto, que possibilidades temos, pois, de ser felizes? Como poderiamos evitar a dor?  Historicamente tem sido proposta uma infinidade de receitas contra a dor:  instou-se á renúncia do desejo, que em última análise se transforma em dor; a dedicar-se a projectos mais elevados ou espirituais, como a arte;  á fuga da realidade que, como veremos, a religiao procura, ou inclusive, ao consumo de drogas.  Mas nem a renúncia, nem a “fuga mundi” a que as drogas ou a religiao conduzem, nem sequer o amor mais autêntico, conseguem libertar-nos da dor que é viver.   A felicidade parece um ideal impossível de atingir: nascemos com aspiraçoes a ser felizes e lutamos desesperadamente para consegui-lo, embora a realidade, sempre casmurra, se oponha com firmeza aos nossos propósitos.

 

marc pepiol martí

 

VERDE GRANDE

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– Verde grande

que te miro enteiro

cos ollos lentos do ceo azul

– E cos ollos transparentes

do amor solitario

– É certo, pro son home

– És home, pro esqueces

a intriga

– A intriga faime coma todos

e eu quéroos

– Pro fainos unha visita

de cando en vez, home

 

francisco candeira

 

SIGMUND FREUD (UMA INTERPRETAÇAO DA CULTURA)

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               Que a espessa folhagem da sexualidade nao nos impeça de vislumbrar com clareza o bosque da psicanálise!  Recapitulemos brevemente antes de prosseguirmos.  Até agora, examinámos de que maneira a psicanálise se estabeleceu, no início, como uma forma de terapia para tratar os doentes de neurose, e como, a posteriori, se tornou numa completa teoria filosófica do sujeito (sobre a estructura da mente e os fundamentos principais da acçao humana,  determinados quase por completo por instâncias inconscientes).  Contudo, Freud desejava continuar a saciar esse impulso humano, e tao genuinamente filosófico, que é a curiosidade intelectual;  foi, entao, que, por fim, dirigiu o seu perspicaz olhar para a cultura.  O nosso autor viu que as suas teses psicanalíticas, para lá da realidade concreta do sujeito, podiam ser elevadas a uma dimensao cultural e, até mesmo, histórica;  começou a entrever que a psicanálise nao só prometia a compreensao profunda da natureza humana, como também a possível resoluçao de muitos dos mais inquietantes enigmas da cultura e da sua evoluçao.  O seu modelo teórico podia enraizar-se nos mais diversos campos do saber social e humanístico – a história, a antropologia, a sociologia e, inclusive, na teoria da arte -, e dar novos e deliciosos frutos.  Na primeira década do século XX, Freud começou a interpretar a sociedade no seu conjunto a partir dos mesmos estractos e forças que compareciam no sujeito.  Foi assim que  “Eros e Thanatos”, a “libido”, os processos de repressao ou o “Supereu”, desta vez sumamente reverberados, apareceram de novo em cena.  Conforme esta linha de pensamento, era possível entender a evoluçao cultural dos povos, desde as origens até á forma actual,  tendo em conta a evoluçao psíquica do sujeito, desde o nascimento até á sua configuraçao adulta.

 

marc pepiol martí

 

FENTOS QUE LLE TENDES

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– Fentos que lle tendes

medo aos autos

– Fentos que lles temos

medo ao lume

– Non gustades

desta charla, xa vexo

– Non gustamos,

gustamos da man

que nos aloumiña

co sangue da comprensión

– O voso talo medra quente

– E no outono fala ruibo escuro.

 

francisco candeira

 

SIGMUND FREUD ( O COMPLEXO DE ÉDIPO)

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               Os nossos leitores relacionarao rapidamente o nome deste complexo com uma das grandes tragédias clássicas, “Rei Édipo”, de Sófocles (496 a. C. – 406 a. C.).  A apaixonante história do génio de Sófocles nao só narrava as desventuras de um homem concreto, Édipo, mas as peripécias pelas quais devia passar qualquer homem ou, melhor dizendo, qualquer criança.  Se iluminarmos os alicerces de qualquer ser humano, veremos representada, segundo Freud, uma trágica cena similar á do malogrado Édipo.  Está longe de qualquer dúvida que o bebé encontra na figura da mae a fonte de satisfaçao de todas as suas necessidades e desejos naturais: é a mae quem o alimenta com o seu peito, é a mae quem o mima, é a mae quem está ali a todo o momento para o consolar…   Por todas estas razoes e por mais algumas, a mae torna-se o principal objecto de desejo da criança;  até se poderia dizer, forçando um pouco o vocabulário, que a criança acabará apaixonada pela mae.  A criança pequena ansiará, pois, por um tipo de relaçao íntima com a mae, como a que Édipo inconscientemente acabou por consumar.  Em contrapartida, a figura do pai tem, para o bebé, um papel totalmente diferente do da mae.  A maioria das vezes, o pai é um impedimento para a realizaçao desses desejos infantis.  O pai limita a todo o instante o acesso da criança a essa fonte de satisfaçao representada pela mae, impoe limites ao seu desejo.  Perante tal agravo, o bebé experimenta, a um nível nao consciente, claro, um grande ódio pelo seu pai.  Desejaria destruí-lo, desejaria que desaparecesse;  em última análise, desejaria a morte do rival.  Sabemos que, efectivamente, Édipo acabou com a vida de Laio, seu progenitor.  Os sentimentos vivenciados pela criança durante a primeira infância coincidem plenamente, pois, como a trágica trama que Sófocles nos narra: de forma similar a Édipo, a criança desejaria matar o pai e unir-se definitivamente á mae.  É provável que os nossos leitores se perguntem o que acontece no caso das meninas.  Porém, Freud, neste ponto, nao prestou muita atençao ás particularidades do sexo feminino e limitou-se, practicamente, a afirmar que, na menina se dariam esses mesmos sentimentos, mas desta vez de maneira prioritária em relaçao ao pai.  Será outro psicanalista, o já citado C. G. Jung, que denominará a situaçao edíptica feminina como “complexo de Electra”.  Como vemos, também Jung assume o nome deste complexo de uma tragédia de Sófocles: desta vez, sao-nos narradas as desventuras de Electra, que espera o regresso do seu irmao Orestes para que este vingue o assassinato do pai, Agamémnon, morto pela sua infame mae, Clitemnestra, e o seu amante.  Seria lógico pensar que, quer se trate de um menino ou de uma menina, de um pequeno Édipo ou de uma Electra, estes desejos infantis de amor e ódio serao progressivamente reconduzidos para uma relaçao mais calorosa, consciente e madura com os pais…

 

marc pepiol martí

 

QUÉ GUSTIÑO

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Qué gustiño

que vexo baixar e subir

os montes

e o fío da soidade amo

e quero o novelo

do silencio

– Ti es un eucalipto

que di non,

que xeme atado a min

-Eu son un anaco

moi pesado de ar

– Mais amas, a calar

 

francisco candeira

CARL GUSTAV JUNG (A LIBIDO)

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               Em 1913, rompeu com o freudismo e continuou as suas investigaçoes por conta própria.  Os interesses de Jung eram muito mais espirituais do que os de Freud, um estricto materialista.  O psiquiatra suiço sentia-se completamente fascinado pelo mundo das religioes, das tradiçoes mitológicas e do misticismo em geral.  Através das suas indagaçoes, Jung postulou a existência de um “Inconsciente colectivo” na psique humana, um substracto comum de natureza supra pessoal e de carácter hereditário.  Alí residiriam uma série de arquétipos ou figuras simbólicas universais que se expressariam no sonho e nas grandes tradiçoes espirituais da humanidade.  A caracterizaçao claramente sexual da líbido feita por Freud também lhe valeu alguns desencontros com a comunidade psicanalítica, já que nem todos os especialistas concordavam em afirmar o carácter genuinamente sexual da “libido”.  Por exemplo, C. G. Jung apresou-se a apostar na sua des-sexualizaçao.  Em 1911, o psiquiatra e psicanalista suiço publicou “Transformaçoes e Símbolos da Libido”, uma obra com a qual pretendeu ampliar o conceito de “libido”; propunha considerá-la simplesmente uma espécie de “tensao” em geral, um “apetite” ou “tendência” indefinida própria da natureza humana.  Porém, Freud nao estava disposto a transigir num ponto tao essencial da sua teoria psicanalítica, um facto que acabou por precipitar a ruptura com Jung, um dos seus discípulos mais queridos.  Assim, para Freud, nao havia discussao possível:  era necessário considerar a “libido” uma energia inequivocamente sexual, embora fosse verdade que podia ser canalizada através de actividades diversas.  Uma determinada relaçao de amizade, a paixao pela arte ou por algum campo do saber, a dependência do trabalho, etc., deviam compreender-se como manifestaçoes disfarçadas desta mesma força erótica.  Nesses casos tratavam-se de “sublimaçoes”, ou seja, de realizaçoes secundárias e parciais, essas, sim, socialmente muito mais aceitáveis, deste impulso libidinal básico de origem sexual.  Uma vez definida a “libido” como alimento e motor da sexualidade humana, é imprescindível analisar a sua dinâmica interna, isto é, determinar de que maneira tal energia é capaz de agir no corpo humano, se nos é permitida a expressao, de sexualizá-lo.  Chegados a este ponto, e para avançar na caracterizaçao da “libido”, deveremos pedir a Freud que nos esclareça mais algumas ideias sobre a sua visao da natureza humana.

marc pepiol martí 

 

CASTIRO QUE ABANEAS

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-Castiro que abaneas

pra ceibar unha folla,

ámame todo.

-Eu só miro cómo cae

-Pro sen algo quedas

-Non son miñas

e eu son do aire

– E da terra

– E da terra

pra que ti me vexas

firme.

 

francisco candeira

 

SIGMUND FREUD (SEXUALIDADE E LIBIDO)

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               Á luz destes dois modelos teóricos da psique humana que Freud concebeu, podemos concluir que o homem nao age usando a razao, isto é, examinando com neutralidade e moderaçao as possibilidades que se lhe afiguram, mas age determinado por uma série de pulsoes e de severos imperativos inconscientes que escapam por completo ao controlo do eu racional.  Sem dúvida, o “Id” exerce uma força determinante sobre o “Ego”, e este domínio expressa-se sobre tudo, segundo Freud, no que concordaríamos em chamar sexualidade.  Com efeito, o estudo psicanalítico de um grande número de pacientes com algum tipo de patologia psíquica (histeria, neurose, psicose…)  convenceu Freud de que a sexualidade era o núcleo gerador dessas disfunçoes.  Por trás dos comportamentos neuróticos dos pacientes, Freud encontrava, sem excepçao, algum aspecto relacionado com o sexo, ora um desejo nao realizado ou reprimido, ora uma experiência traumática ou uma frustraçao.  Era como a Tebas das cem portas: pode entrar-se na cidade pela porta que se quiser, mas vai-se sempre parar ao mesmo lugar, ao centro da cidade (neste caso, ao núcleo da psicanálise freudiana, a sexualidade humana).  Mas nao é só isso:  a teoria da sexualidade alçava-se num dos elementos-chave para explicar o comportamento geral das pessoas sans, permitindo, em último análise dar conta dos seus verdadeiros desejos, das suas motivaçoes e das suas variadas opçoes vitais…  Freud dizia que nos neuróticos tudo o que havia era o reflexo amplificado dos desejos e perturbaçoes que, num momento ou outro da vida, qualquer pessoa podia experimentar ou sofrer…     …para Freud, entre saúde e doença mental nao existia um salto qualitativo, mas meramente quantitativo, de intensidade…  Freud foi buscar o termo “libido” á tradiçao latina, onde significava literalmente “desejo” ou “ânsia”; até mesmo, em certas ocasioes, poderia ser entendido por libido uma espécie de desejo desenfreado.  Em termos gerais, poderia aceitar-se que, para Freud, a “libido” era uma espécie de “dynamis” ou “energia” de carácter sexual;  de facto, para o pai da psicanálise acabou por representar a força mais paradigmática das pulsoes da vida (ou eróticas) que, como acabámos de ver, alimentam as camadas mais profundas da psique humana, ou “Isso”.

 

marc pepiol martí

 

TRÁBANCHE AS COUSAS E NON AS MIRAS

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Trábanche as cousas e non as miras

– dixo a alma do verde monte.

– Paso e premo as follas do libro

pra gañarlle ao vento

– Vaiche boa vai, teño

pau pra tamancas!

– Pra que me salves

dígoche as letras

onde vou morrendo

– E o teu amigo Bosque

– O meu amigo sempre

 

FRANCISCO CANDEIRA

SIGMUND FREUD (A CRISE DA RAZAO)

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               Como vimos no capítulo precedente, até mesmo depois da publicaçao de “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin, em 1859, o homem ainda tinha a esperança de pensar que, apesar de ser mais um animal, possuía uma genuína faculdade racional que lhe permitia dominar os impulsos animais.  Parecia que, através da razao, a natureza animal do homem podia ser conduzida para fins muito mais elevados do que a mera conservaçao e reproduçao instintiva.  Boa mostra disso é que, de maneira um tanto confiante e presunçosa, o homem se autoproclamou cientificamente como “Homo Sapiens Sapiens”, isto é, “homem” duplamente “sábio”.  O desenvolvimento da psicanálise freudiana poe em causa este último bastiao de orgulho e confiança humanos: a razao consciente passa a ser tao só a pequena ponta de um enorme icebergue, submerso practicamente na sua totalidade em obscuras águas inconscientes; o que significa que o comportamento humano se rege mais pelos instintos do que pela razao.  Adeus razao e livre-arbítrio!   Vamos, precisamente, dar início a este capítulo analisando com atençao os dois modelos teóricos da mente humana que Freud foi elaborando de forma progressiva no decurso da sua vida; isto é, a “primeira tópica” e a “segunda tópica”, propostas que nos afastam, de uma vez por todas, dessa confiante visao do homem como ser racional e livre.

 

marc pepiol martí

 

 

QUERO DEVORAR A PAISAXE TODA

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-Quero devorar a paisaxe toda,

con Natura falar, chorar

a espremer ourizos

se son de idea,

e despois calar

e despois durmir con vós

-Sé bo, non custa nada

-Son bo, pro como sei

-Se bo, como queres

-Son bo, como podo

Sé bo, pensa e cala

e durme con nós, respira

coma nós, canda nós

que semellamos vida e durmimos.

 

FRANCISCO CANDEIRA

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SIGMUND FREUD (AFRONTA AO NARCISISMO HUMANO)

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               Desde que o homem é homem sempre acreditou ser o centro do universo, uma espécie privilegiada dentro da criaçao e do plano divino.  A humanidade, como aconteceu com Narciso, apaixonou-se pela própria imagem. Por sorte, afirmará Freud, a ciência tem contribuído para reduzir estas desmesuradas aspiraçoes.  Concretamente, a supremacia do homem como espécie foi posta em questao graças a três teorias científicas; a teoria de copérnico, a de Darwin e, finalmente, a psicanálise do próprio Freud.  Falaremos, pois, de três afrontas históricas ao narcisismo: uma cosmológica, uma biológica e uma psicológica.  Vejamo-lo brevemente.  Com muito poucas excepçoes, a cosmologia antiga baseava-se na ideia de que o universo tinha uma forma circular:  se o cosmos era uma criaçao divina, só podia ser circular, já que o círculo era a figura mais perfeita (qualquer ponto é equidistante do centro).  Além disso, as observaçoes apontavam para o facto de a Terra dever ocupar o centro deste círculo perfeito, pois tudo – as estrelas, os planetas errantes e o Sol – parecia girar em seu redor. Assim, a grandeza do homem como espécie expressava-se cosmologicamente através da centralidade da Terra, o seu habitat.  Este modelo geocêntrico foi questionado por Nicolau Copérnico no século XVI.  Claro que o heliocentrismo de Copérnico foi muito polémico, já que deslocava, sem contemplaçoes, o homem do centro da criaçao.  No entanto, os estudos científicos posteriores confirmaram repetidamente a tese heliocêntrica de Copérnico.  Na verdade, foi uma comoçao para o homem descobrir que, a partir de uma perspectiva cósmica, o universo se desenvencilhava muito bem sem ele.  No entanto ao homem maduro e civilizado restava o consolo de pensar que, na Terra, ele era o indiscutível dono e senhor.  Mas esta ilusao durou pouco tempo, já que, em pleno século XIX,  Charles Darwin evidenciou que o homem nao podia ser considerado uma espécie animal privilegiada, muito menos independente das demais.  O homem era apenas mais um dos galhos da grande árvore da vida.  Assim, a reconfortante tese do Génesis, que dizia que o homem tinha sido criado á imagem e semelhança de Deus, dissolvia-se como tinta na água.  Depois destes dois reveses, o homem ainda tinha de enfrentar a última e mais severa das afrontas, a da psicanálise.  Até entao, todos os ataques ao seu amor-próprio tinham consistido em minar as suas certezas sobre a realidade que o circundava – o seu lugar no cosmos, a sua relaçao com o mundo animal; a partir da psicanálise, ao homem já nao lhe resta nem o seu próprio mundo interior para se regugiar, porque, inclusivamente, aí o seu domínio é completamente aparente.  A psicanálise poe definitivamente em causa o papel preponderante da razao.  O incontrolável e obscuro inconsciente passa a ser considerado o verdadeiro faz-tudo da vida humana.

 

MARC PEPIOL MARTÍ