Arquivos diarios: 03/04/2017

SIGMUND FREUD (CONTEXTO)

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               Para compreender a filosofia de um autor com todos os seus matizes, é imprescindível analisar a sua vida, bem como o contexto social e histórico no qual desenvolveu o pensamento.  No caso de Freud, esta exigência conduz-nos directamente á  necessidade de reflectir sobre a cidade que viu nascer as suas ideias médicas e filosóficas, Viena.   Na verdade, Freud nasceu em Freiberg ( cidade que, no seu tempo, pertencia á Morávia, uma parte do Império austríaco, e, actualmente, pertence á República Checa), e nao em Viena, mas foi nesta cidade que estudou e se doutorou, onde também desenvolveu toda a sua práctica terapêutica e formulou as suas teorias sobre a estructura do psiquismo humano.   Assim, Viena é um lugar incontornável se quisermos compreender o pensamento de Freud.   Como em breve descobriremos, a esplêndida Viena de fim de século fez todo o possível por dissimular, sob um manto de luxo e de refinadas convençoes sociais, uma crua realidade:  a sexualidade.  E foi precisamente a ânsia de revelar e compreender esta realidade oculta – mas muito real! – que estimulou, em grande medida, o pensamento de Freud.   No imaginário popular, Viena associa-se de imediato ao ritmo das alegres valsas de Johann Strauss – sobre tudo, o filho (1825-1899) -, com os refinados cafés e a magnificência da corte dos Habsburgo.   Assim, a monumental Viena apresenta-se-nos com frequência como o paradigma de uma cidade requintada e entregue ao gozo de viver.  Por tudo isso, é surpreendente comprovar até que ponto os sempre educados e sensíveis vienenses resistiram com firmeza, e a maioria das vezes com insolência, ás teses do nosso autor.   Até mesmo no momento em que o mundo começou a acolher as revolucionárias ideias de Freud, Viena respondeu com uma eloquente indiferença.   Talvez este repúdio fosse motivado pelo facto de Freud, como diriamos coloquialmente, ter ousado meter o dedo na ferida?   Sem dúvida, a ostentaçao e o hedonismo da Viena de finais de século encobriam uma sociedade bastante fracturada e repleta de penosas contradiçoes.   Viena era a capital do grande Império austríaco, resultante da dissoluçao do antigo Sacro Império Romano-Germânico, em cujo seio convivian as diversas nacionalidades que povoavam o vale do Danúbio.   Porem, as recorrentes reivindicaçoes nacionalistas da Hungra,… propiciarao po fim, ja no ano 1867, o Compromisso (Ausgleich) que deu origem ao Império austro-húngaro.   Este novo Império foi, de facto, uma monarquia dual:  compunha-se em dois reinos, Austria e Hungria, com os seus respectivos parlamentos, códigos e línguas, dispostos sob uma mesma bandeira e um mesmo monarca.   O imperador Francisco José I, da casa dos Habsburgo, que já dirigia o Império austríaco desde 1848, assumiu o governo do Império austro-húngaro, e fortaleceu a sua posiçao ao casar-se, em 1854, com Isabel da Baviera, a famosa imperatriz Sissi.   Viena foi a sua residência oficial e a capital teve de responder dignamente a esse privilégio.  Por isso, sobretudo entre 1858 e 1888, a cidade foi reedificada practicamente por completo:  erigiram-se palácios, belos edifícios, monumentos e amplas avenidas.  Todavia este palco de sonho mal podia esconder as formas vazias de uma monarquia artrítica e anquilosada.   Nao por acaso, o escritor austríaco Robert Musil, autor da monumental obra “O Homem Sem Qualidades (1930), designou irónicamente o vasto Império dos Habsburgo como “Kakania”, alcunha que abrigava o duplo “K” que articulava o título nobiliário do Império. “Kaiserlich-Königlich”, isto é, Imperial-Real, mas que também aludia a um sentido escatológico.  Em todo o caso, a longa linhagem dos Habsburgo exaltava esta sociedade plural.  A monarquia estava muito presente na vida social vienense, embora quase como se fosse uma realidade mítica.  A sua existência concebia-se como uma espécie de Olímpo atemporal.  Na práctica, eram os valores bastante puritanos da burguesia que realmente regiam a sociedade vienense.  Em Viena, apenas importavam a estabilidade do conjunto e as aparências formais.  A ordem, uma rígida hierarquia totalmente imóvel e a nao estravagância foram, durante muitos anos, um credo tácito e inquestionável.  Este formalismo burguês tao petrificado fazia de Viena uma sociedade aparentemente plácida;  daí  que Stefan Zweig, na sua obra “O Mundo de Ontem – Recordaçoes de um Europeu” – um extraordinário retrato da sociedade vienense do virar do século -, definisse a Viena anterior á Primeira Guerre Mundial como  “o mundo da segurança”.  Curiosamente, o escritor austríaco valorizava este facto a partir de um ponto de vista positivo e, ao mesmo tempo, negativo.  Por um lado, os valores burgueses que guiavam a sociedade eram claros, sólidos e imutáveis.  O caminho que um indivíduo tinha de percorrer para conseguir um certo reconhecimento social estava bem traçado, só tinha de ter a paciência de o percorrer.  Por outro lado, esta sociedade evitava qualquer acçao ou decisao que pudesse conduzir a alguma mudança.  A novidade podia pôr em causa ou romper esse equilíbrio tao conveniente…   Certamente, por esta razao, a juventude vienense e os seus novos talentos encontraram-se imediatamente sob suspeita, já que o seu ímpeto podia ser a semente da transgressao e, finalmente, da temida desagregaçao social.  Viena fazia o possível para serenar os ânimos dos jovens.  A constriçao era tao forte que os jovens se viam forçados a esconder a sua verdadeira idade e a fazer o máximo possível para parecerem mais velhos;  por exemplo, deixavam crescer longas barbas, vestian casacas e moviam-se com sobriedade.  De facto, até a instituiçao escolar vienense estava firmemente concebida para consolidar este rígido “statu quo” e conducir ao conformismo da juventude;  imperavam a autoridade, o dogmatismo cego. a dureza, a apatia e a pouca humanidade.  A pior parte desta grande  dissimulaçao programada com tanta paciência recaiu sobre a condiçao feminina.  A mulher foi forçada a representar um ideal impossível:  o da mais absoluta inocência e pureza espirituais.  Por essa razao, os vestidos das mulheres estavam concebidos para esconder todas as formas femininas.  Por dentro, estas indumentárias eram uma esécie de armaçao ou couraça que oferecia um belo e sempre asséptico aspecto exterior.  Tinham uma infinidade de espartilhos e anáguas, um facto que obrigava as mulheres a mover-se de maneira totalmente artificial e a adoptar posturas forçadas.  Por exemplo, uma mulher educada nunca podia cruzar as pernas em sociedade, por medo de que num descuido, pudessem ver-lhe o tornozelo.  É evidente que a repressao sexual, como qualquer tipo de repressao, acentuou ainda mais o desejo.  Assim, a sociedade vienense, ao evitar o sexo por todos os meios possíveis, tornou-o ainda mais presente.  A força desse “eros” reprimido deixava-se sentir por todo o lado, e com uma força, se possível, muito maior.  Nao em vao, como veremos, Freud começou a sua carreira trabalhando com jovenzinhas burguesas que apresentavam síntomas muito agressivos de histeria, uma doença que a ciência, em “petit comité”, reconhecia como de origem sexual, embora nunca o dissesse oficialmente.  De facto, esse grande enredo de silêncio em relaçao ao sexo chegava inclusive á esfera científica, antes de Freud ter conseguido fazer mossa nesse alto e sólido muro…

 

marc pepiol martí

 

EN VIGO UNHA CIDADÁ SOÑA CO BOSQUE

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Aínda que a cidade te retén

de certo fura as túas noites

un vougo corazón de lata e máquina

e xa non che abonda

esta música e ámbito de rock & roll

nin a presencia do mar presentido

 

porque sabes que hai alá no bosque,

onde un bris alixeira e eleva,

unha palabra cômplice que agarda

escondida nas cousas ínfimas, na araxe,

na silenciosa luz,

e tamén sabes

que nacen as cousas tantas veces

debido a un pulso telúrico

ou a un rumor de fronda;

 

sen embargo ti quedas aquí

afincada

cidadá a carón de tanta máquina

sempre lembrando

o silencio habitado dos piñeiros

e algún modo de Olvido.

 

FRANCISCO XOSÉ CANDEIRA