.
Se é inegável a influência de Freud na compreensao de nós mesmos como sujeitos movidos por obscuros desejos inconscientes, também teremos de reconhecer que a sua influência nas artes visuais contemporâneas foi particularmente significativa e fecunda. Em primeiro lugar, encontramos Freud na arte de vanguarda, concretamente no surrealismo, um movimento artístico que, em rigor, situaríamos entre os anos 1924 e 1945. Se alguma coisa caracterizava os pintores e os escritores surrealista era a sua enérgica reivindicaçao da liberdade criativa. Fizeram o possível por fugir do anquilosado modo de vida burguês e por conquistar outros mundos completamente inverosímeis a partir da estreita órbita da lógica racional. A sua reivindicaçao era o ilógico, o original, o estranho, o desconexo. De facto, nos seus escritos e pinturas respirava-se um mundo tao irracional, original, estranho e desconexo como o sonho. Nao deve surpreender-nos, pois, que André Breton, conhecido como o pai do surrealismo, reivindicasse, em repetidas ocasioes, a figura de Freud como precursora ideológica do movimento. “Quando chegará, senhores lógicos, a hora dos filósofos dormentes?”, perguntava-se, provocadoramente, o artista françês no Primeiro Manifesto do Surrealismo (1924). Nos episódios oníricos, como Freud tinha revelado, manifestavam-se os apetites humanos mais obscuros e inconfessáveis: assim, reconhecian os surrealistas, o sonho obscuro podia penetrar no verdadeiro eu de uma forma mais autêntica do que a razao clara. Valham-nos as numerosas paisagens oníricas pintadas por Salvador Dalí – com quem, diga-se de passagem, Freud teve um breve encontro em julho de 1938 – ou a escrita automática praticada pelo mesmo Breton – uma técnica surrealista que reproduzca fielmente o método de associaçao livre, um procedimento inventado por Freud para ludibriar as defesas da razao e poder acceder a estractos mais profundos e genuínos da psique dos seus pacientes – como exemplos paradigmáticos desta herança freudiana. Dalí conseguiu uma viragem favorável na opiniao de Freud sobre os surrealistas: como este confessou a Stefan Zweig numa das suas cartas, antes de conhecer o pintor do Ampurdán, chegou a considerar os surrealistas uns “loucos absolutos”. Além das artes, podemos constatar que Freud está muito presente no nosso dia a dia: perante um “lapsus linguae” revelador dos nossos verdadeiros propósitos, sao poucos os que nao exclaman: isto é freudiano! E quem nao pensou em alguma ocasiao, em ir ao livro A Interpretaçao dos Sonhos, de Freud, para procurar o significado de um sonho que o inquieta? Porém, o facto de Freud estar frequentemente na boca de todos torna-o víctima de muitas imprecisoes e de más interpretaçoes e, inclusivamente, converte-o em objecto de uma certa banalizaçao. Nesta breve monografia, pretendemos desfazer todas as confusoes que existem em relaçao á figura de Freud e elaborar uma leitura completa, embora rápida e accessível, das suas teorias sobre o homem e a cultura.
marc pepiol martí
