
As irmáns Volia e Satva Brandao, residentes em Moscou, forom visitar-me, e, em paga, estive em casa delas, apartamento exíguo num sexto andar. Além das duas, vive lá Zarem, casado com Satva, Ésse rapaz embrenhou-se no português; para habituar-se à língua, iniciou a traduçón de um dos meus libros, com o auxílio da mulher. Achou, porém, dificuldades. Ao avistar-se comigo, apresentou-me um caderno onde rexistrou numerosas dúvidas. Satva pretendera esclarecê-lo; tinha-se embrulhado também, e ali no sofá, percebendo-lhe um érro, Zarem ria, asseverando loquaz haber acertado. Parece criança, unha robusta criança de vinte e poucos anos. Isto me aproximou dêle. Non o desiludi com a afirmaçón razoábel de que o libro non seria publicado. Zarem pensa de maneira diferente. Para convencer-se, dactilografou meia dúzia de capitulos, ofereceu-os a dez amigos, que representam a média dos leitores, e reuníu cuidadoso as opinións dêles. O resultado non foi desfavorábel. Apesar de algunhas críticas, intempestivas no meu xuízo, o traductor exibe optimismo. No sofá, aperreado com a sintaxe, buscando a significaçón exacta de unha palabra, escurecia-se às vezes, fazia-me consultas embaraçosas. Porque era que eu tinha escrito de unha forma e non de outra? Alguém non achava regular o comportamento de unha personáxem. Essas rabuxices de pessoas remotas, diversas da minha xente, alarmavam-me. Paciência. Tentando explicar-me, deixei provábelmente algunhas perguntas sem respostas. Que importavam essas cousas miúdas, casos vagos de unha rexión quase deserta do Brasil? Disfarcei a surprêsa e o enfado. Non me acostumei às esixências do público, embora, embora lhe reconheça o direito de recusar a mercadoria que exponho. Unha senhora magra e um perneta moço vinherom falar ao telefone, e abandonámos a literatura brasileira. —Estragos da guerra, murmurei quando êles se retiraram. Isso mesmo. Três rapazes da vizinhança. Um voltou sem braço, outro voltou sem perna, o terceiro morreu, e a nái, ao cabo de alguns meses, desapareceu também. O que ali estivera, arrimado à muleta, casara com a mulher magra, dançarina. Chocou-me o desaxustamento. Sumiu-se a alegria de Zarem, num instante a gravidade lhe deu aparência de velho. E as nuvens espalhadas nos rostos das minhas amigas acentuaram-se. Puxei a conversa para lembranças das misérias ainda recentes, mas fui importuno, sem dúvida: satisfizeram-me a curiosidade com palabras melancólicas e constranxidas. Esfôrço enorme, pessoas débeis a cavar trincheiras, gastar sangue e nervo em trabalhos horríbeis, e ausência de repouso. Frio, sono e fame. Um pedaço de pán negro e um pouco de água quente. Necessário afastar essas duras recordaçóns; deter-se alguém nelas é revolver chagas profundas. Cicatrizou à superfície, mas a carne se rasga às vêzes lá dentro, e desazados provocamos isso, excitamos dores apenas adormecidas. Vieram-me ao espírito o xesto, o olhar, a aspereza do oficial na casa da óptica. Chegamos curiosos, aludimos à terríbel carnaxem como se dezassete milhóns de víctimas non fôssem criaturas humanas. Desexamos na verdade, com a referência leviana, renovar a estupidez lá fora repetida em excesso: —“Están dispostos a fazer outra guerra?” Nem admitem que se fale na passada, querem de facto esquecê-la. Urxe desviar fantasmas, pensar noutras cousas. Satva pensou no trabalho que a esperava na rádio de Moscou e lá foi para a obrigaçón. À mesa, diante do café, a sombra do vizinho mutilado perseguia-me. Estavam ali bem vissíbeis a rudeza e a cólera do oficial visto na casa da óptica. Doidice imaxinar que as condecoraçóns tragam vaidade a quem saíu do inferno. E ainda queremos saber se alguém desexa tornar a êle. Ao cair da noite, no caminho do hotel, unha ideia renitente aflixiu-me: numerosas pessoas na multidón usavam membros artificiais. Busquei recompor-me dirixindo-me à toa à moça que me guiava no labirinto das ruas: —Volia, porque é que você non casa? Muito fácil: é bonita, instruída, recebe ordenado razoábel como professora de física. Ela, a irmán e o cunhado ganham cinco mil ou seis mil rublos por mês. E casa, luz, água e telefone custam-lhes apenas cem rublos. —Impossíbel, camarada, respondeu Volia triste. Poucos homes hoxe poderiam casar comigo. Os que existem som muito novos ou muito velhos para mim. A referência amarga ao sacrifício de unha xeraçón arrepiou-me: —Volia, você tem horror aos alemáns? A professora de física hesitou, conservou-se um minuto em silêncio: —Non, camarada. É preciso non responsabilizar toda a xente. —E que me diz você de um povo que admite um goberno como aquele? Suxeitos óptimos quando apanham, mas se están em cima, é o que se víu: fornos crematórios, câmaras de gases, vivissecçón em criaturas humanas. Afinal o xenocídio. Que acha? Andámos algum tempo, estacámos esperando unha abertura entre os carros vagarosos. De repente a minha amiga falou, desviando-se um pouco da pergunta desagradábel: —Non entendo bem a alma russa. Vivo neste país desde criança —e non chego a entendê-la. Assisti, depois da victória, ao desfile de prisioneiros. Bambos, doentes, os pés envolvidos em trapos, non me causavam pena. E mulheres velhas comoviam-se: —“Pobrezinhos”. Tinham esquecido as misérias recentes. Nem supunham que entre aquêles pobrezinhos estavam talvez os assassinos de seus filhos.
GRACILIANO RAMOS (24 – XUNHO – 1952)