
Prometi a colaboraçón, despedi-me do português moreno e submeti-me à dificuldade séria de acompanhar a excelente mulher (Sra. Nikolskaya). Ainda me iludi com a esperança de entrar num carro. Viaxem curta: desnecessário o automóvel. A Sra. Nikolskaya move-se com extraordinária rapidez. Elegante, aprumada, insensível ao frio, non se fatiga; avança; afasta-se da xente; as pernas, vigorosas em demasia, ignoram a existência de pernas menos vigorosas. Um vendaval bem-educado, amável e risonho. Enfim, paciência. Mexi-me, andei bastante, em penoso reboque, evitei por milagre os vehículos e, deitando a alma pola bôca, entrei num estabelecimento, onde, por felicidade, habia cadeiras vagas. Tomei fôlego, aproximei-me do balcón. Algum tempo depois, num gabinete, olhando o quadro cheio de letras absurdas, confiava-me à perícia de unha velhinha magra e bicuda. —Mme. Nikolskaya, por favor, diga a essa doutora que som analfabeto. Assim, nivelado às crianças, reduzi-me a atentar em pequenos círculos, dizer se as aberturas ficavam em cima, em baixo, à direita, à esquerda. —Que língua é essa? perguntou a oculista no fim do exame. Nunca ouvi cousa parecida. E, ouvindo falar na minha terra, observou-me um instante, como se eu fôsse um bicho esquisito. Na sala, esperando a minha vez de ser atendido, percebi entre os numerosos fregueses um suxeito de farda e condecoraçóns. Leviano, dirixi-me a êle, falei na guerra, mas a tentativa de relacionar-me com a força vista de lonxe, a 1º de Maio, teve péssimo efeito. O home sobressaltou-se, fixou-me um olhar feroz, ruxíu unha sílaba e deu-me as costas. Êsse procedimento non me ofendeu. Reconhecia-me indiscreto —e usara a indiscriçón por deber de ofício. O meu desexo era omitir os discursos, as frases convenientes, as cortesias empregadas com exuberância polos nossos hospedeiros. Envolviam-nos, desde a chegada, afirmaçóns de paz, e algunhas pessoas vacilavam, perguntavam se elas eram realmente sinceras. Podiam ser doses de morfina aplicáveis ao estranxeiro. Ficaríamos entorpecidos, regressaríamos docemente embalados, e ao cabo de alguns meses os telegramas nos anunciariam a catástrofe. Sem dúvida o naufráxio do capitalismo: as consequèncias das últimas conflagraçóns firmavam-lhes esta idéia. Assim, na distante América, xulgavam incongruentes as manifestaçóns pacíficas expostas ao mundo ocidental. As palabras repetidas lá fora diverxiriam talvez das pronunciadas aqui. Nenhuma discordância percebiam, mas ainda estavam indecisas: os individuos que nos cercavam, nos automóveis e no hotel Savoy, escamoteavam possíbelmente a verdade, representariam de algunha forma a cortina de ferro tantas vezes mencionada nos xornais da burguesia. Non me importunavam tais reflexóns. Achava-me efectivamente certo de que a guerra abreviaria a ruína do proprietário. Mas, de qualquer xeito, êle estava perdido; hoxe ou amanhán se enterraria — e era doidice obter por elevado preço unha vitória infalível. Os patróns viveriam mais alguns anos, e entrariam suavemente na cova. Para que violências? Êste xuízo levava-me a aceitar sem dificuldade as opinións vixentes na superfície onde me colocavam. Mas o desexo me vinha de entender-me com figuras anônimas, tentar adivinhar-lhes o pensamento. Dilixenciaria fazer-me comprehender utilizando fragmentos de línguas estranxeiras —e um olhar, um xesto, me revelariam de chofre cousas íntimas. Que haveria nos miolos dos rixos militares vistos, a 1º de Maio, na praça Vermelha? A experiência me causou surprêsa. Ao interrogar um desconhecido, arriscava-me a non alcançar resposta. Considerando-me impertinente, com razón, o home levantaria os ombros, guardaria silêncio. Natural. Esperei isso, no pior dos casos. E a pergunta ocasionaba indignaçón e raiva. Esquisito. Non me referira a unha luta possíbel, mas ao conflicto passado, manifesto nas condecoraçóns expostas na farda vistosa do oficial. Oficial do exército, com certeza. A alusón inconsiderada ao facto que lhe trouxera as insígnias non lhe dava prexuízo. Afinal a minha inconveniência podia até significar o intuito de ser agradábel. Resumo: nariz torcido, cólera, violência interior. Non me feria nenhuma ofensa, claro. Resignava-me a ser mal recebido. Assustava-me, porém, aquela fúria rápida como um relâmpago. Necessário reflectir, arrumar discrepâncias. Por enquanto, espairecer, non me sobrecarregar com problemas difíceis. Como diabo um suxeito desenvolvido no quartel se zanga, porque falamos em barulho? Non é a profissón deles? Avizinhei-me do balcón, experimentei os óculos: —Mme. Nikolskaya, faça-me o obséquio de perguntar a essa xente se posso pagar com dinheiro francês ou brasileiro. Non tenho rublos. A óptima senhora, sem fazer a consulta, xogou-me a expressón xá bastante conhecida: —Vou resolver o assunto!
GRACILIANO RAMOS