
Depois de exame rigoroso nas bagagens, deixámos Praga de oito para nove horas, num avión militar. E logo aí notei particularidades. Non habia letreiro luminoso a esixir que amarrássemos os cintos e esquecéssemos algum tempo o cigarro. Buscando a correia para prender-me, obediente à esixência cristán, non achei prisón: polo menos nesse ponto via-me libre de amarras. O aparelho tinha-se erguido com rapidez incríbel sem que déssemos por isso. Olhando para fora, percebi a terra lonxe, a cem ou duzentos metros. Cêrca de onze horas estábamos em Minsk, no restaurante do aeródromo, travando relaçóns com o caviar e o vodka. À tarde chegámos a Moscou. E pensei no meu soturno desembarque em Praga, dias antes. Éramos agora unhas trinta pessoas. Descendo a escadinha, fomos detidos por unha onda rumorosa de fotógrafos e repórteres. Moças ofereceram ramilhetes às mulheres que nos acompanhavam. Entre as pessoas atarefadas nessa recepçón imprevista, duas sobressairam: um homem grave, que mais tarde me disseram chamar-se Constantino Tchugunov, e um rapaz alto, vigoroso, o ôlho vivo, o rosto aberto num sorriso largo e os cabelos inteiramente brancos. Essa mocidade forte e encanecida levou três de nós a um automóvel, conduziu-nos à cidade, e usando um português razoábel, que um lixeiro pigarro atrapalha quando surxe algunha dificuldade na sintaxe, entrou em camaradaxem rápida, cheia de pacientes informaçóns. Jorge Kaluguin viveu dous anos no Rio, onde foi correspondente da axência Tass; hoxe é redactor-chefe da secçón latino-americana de Tempos Novos, unha grande revista. Com exuberância foi-nos indicando lugares famosos, aqui e ali. A universidade nova, enorme: os corredores têm dezoito quilômetros de extensón. O Kremlin, a praça Vermelha, a catedral de San Basílio. Unha frase burlesca interrompe a seriedade que êsses pontos ilustres impôem: lá estaba o hotel Pina. E, como nos espantássemos, veio a explicaçón: naquele prédio viveu o Gomalina, criatura fogosa que levantou os meios oficiais brasileiros contra a Unión Soviética. O tinteiro com que ele agrediu o xerente da casa guarda-se como preciosidade. Fomos deixar as nossas bagaxens no hotel Savoy, onde non descobri nenhum dos operários vindos connosco de Praga: hóspedes dos sindicatos, afastavam-se de nós. O apartamento que me destinarom no Savoy, de três peças amplas, era luxuoso demais. O banheiro me tranquilizou, pois na Europa é comum arrumarem a xente em quartos sem banho. No alto da escada que nos levou ao refeitório um terríbel urso empalhado erguia-se em dous pés, alargava a bocarra ameaçadora. De volta à rua, vi perto do salón a estatueta que um oficial americano pretendeu furtar. É unha Vênus de oitenta centímetros, e como arte non representa grande cousa, mas tem a vantaxem de ser de metal amarelo, côr de ouro, e isto nos mostra a causa da tentaçón. Fomos andar nas linhas subterrâneas, vasto formigueiro que se desenvolve em três planos e serviu de abrigo anti-aéreo durante a guerra. A primeira estaçón surprehendeu-me, mas Kaluguin me esfriou o entusiasmo: aquela, a mais antiga, inaugurada em 1934, era de facto bem modesta. Embarcámos, desembarcámos noutra, enorme construçón de colunas e tecto cobertos de esculturas, luz intensa a derramar-se no chán brilhante como espelho. Inadvertidamente, acendi um cigarro — e no mesmo instante um guarda se chegou, disse-me com palabras, depois com gestos, que era proïbido fumar. Atrapalhado, xoguei o cigarro na pedra luminosa, mas como isso era também proïbido, tive de apanhá-lo, cheio de vergonha. Kaluguin aumentou-me a confusón dizendo, franco e rude, que salas tán suntuosas non eram feitas para que nós as suxássemos com cinza. Atirei o desgraçado corpo de delito abaixo da plataforma. De dois em dois minutos passa um trem. Mais de unha hora estivemos a entrar, a sair de carros, a subir, a descer largas escadas movediças, onde fervilhaba a multidón apressada. A franqueza do xornalista non me deixou nenhum ressentimento: êle tinha razón. Pouco depois estávamos a tratar-nos com familiaridade, como se fôssemos amigos velhos. Nos vagóns repletos numerosos militares nos exibiam as condecoraçóns ganhas penosamente na guerra, mas non me era possíbel determinar a significaçón dêles. Ésse tipo que está aí na frente é um oficial, non é verdade, Kaluguin ? — Sim, maior de aviaçón. Ésse rótulo oficial reduziu-me um pouco o valor do homem, largamente condecorado. Unha velha magra, cartilaxinosa, entrou rebocando um menino chorón. Os lugares estavam ocupados, mas é impossíbel unha criança viaxar em pé, e num instante essa gritaba no colo da avó, sem dúvida avó, com esixências estrídulas. Os vizinhos tentavam acalmá-la, em ván. Súbito um homem duro, de garras compridas e nodosas, levantou-se, pôs na mán do garôto unha pêra. O pranto findou, um resto de lágrimas xuntou-se ao surco da fruta mordida. A mulher, cuidadosa, xuntava sementes e pedaços de casca, arrecadava tudo no lenço e na bôlsa. Era o que eu devia ter feito pouco antes, se me houvessem dado a educaçón necessária. Cometida a infracçón, resignar-me-ia a esconder o infeliz cigarro numa caixa de fósforos.
GRACILIANO RAMOS