
O CONTO DA VERDADE
O dominó nao era o seu jogo. O barulho dos xogadores menos; era irritante. Josué, depois de ler os xornais, fuxia do Café a sete pés. O seu tempo ou tinha valor ou ocupaçón. A sua paciência non era gasta no meio dos mortos-vivos. Sentia-se cansado e nao encontrava forma de reconduzir a situaçón. A filha ultrapassara os vinte anos e estava perto de acabar Direito, mas nao albergava esperanças de colocaçao. Nao era filha de Advogados e nao tinha padrinhos no Restelo ou em Alvalade. Infelizmente, os tempos da outra senhora continuavam a dominar as colocaçoes. O vinticinco de Abril jazia no charco do lodo e no miradouro das cunhas. Alguns Capitaes de Abril apareciam nos jornais a maldizer o Governo, mas a sua estética pançuda, a sua falacrose e esse sotáque saudosista e heroico, desanimava à primeira vista. Josué nao era dado a suicídios; no entanto, no rumor que invadia as conversas miudinhas no trabalho ou no Café sempre aparecia um morto voluntário. Josué emudecia. Perdia-se no tempo e no espaço e parecia que estacionava numa ponte de vidro, onde via o precipício com toda a sua grandeza e profundidade. Sentia que o suicídio era unha aventura intensa, tanto no tempo como nas sensaçóes. Depois de esse vaguear, virava-se para alguma actividade intensa e frenética. Uma manha, enquanto classificava os seus trabalhos de contabilista no escritório, o telefone tocou com estridência. Era a filha; A Jacinta, contra todo o costume, reclamava um encontro urgente. A Pastelaria dos pratinhos ao balcao, perto do Saldanha serviu de espaço familiar. Sentados numa mesa da esquina, falaram com alguma gestualidade. A cara do Josué ganhou rasgos cadavéricos. Jacinta, entre uma expressao tensa e um olhar de clemência, parecia ter uma decisao forte mais que tomada. Pai: esta sociedade nao tem moral; nao me obrigues a mal viver por manter uma moral que nao existe… Estas palavras finais ribombaram nos ouvidos e no coraçao de Josué como bombas a tropel. Jacinta tinha uma proposta de trabalho sobre a mesa. Um famoso escritório de Advogados de Lisboa oferecia-lhe emprego. Viajaria por todo o Mundo. Ganharia dez mil euros mensais. O seu trabalho consistiria em acompanhar homens das finanças, empresas ou mesmo políticos e grandes xornalistas nas suas deslocaçoes ao estrangeiro. Deveria fazer tudo ao seu alcance para que se sentiram felizes. Josué abandonou a mesa sem articular palavra. Perdeu-se entre a multidao, caminho do Marquês de Pombal, Jacinta viu-o partir e deixou cair alguma lágrima. As nove da noite quando se sentaram à mesa para xantar manteve-se calada. Josué depois de comer a sopa de legumes do costume, começou a falar do seu tempo de estudante e das suas idas e vindas aos bailes do Grupo Desportivo da Mouraria. Quando se levantaram, Jacinto aproximou-se ao ouvido da filha. Segredou. -Gere a tua vida; eu estarei preso pelo coraçao em qualquer dos casos…
JOSÉ LUÍS MONTERO (11/06/2013)