Arquivos diarios: 31/01/2022

O ILHA (5)

CONTOS DE UMA PRIMEIRA JUVENTUDE ENLUTADA

A MINHA HISTÓRIA CNA

O MOSTRENGO

Eram as festas de Maio. O colégio parecia que respirava liberdade. Um colega finalista dizia e dizia no cenário “sketches” que demoliam o dia-a-dia do colégio. A sala aplaudia com entusiasmo. Era o dia do nosso grito; era o dia da nossa vingança perante tanta e tanta barbárie e bifes de cabedal com arroz encharcado. Nesse dia, o herói non era um forcado, nem o que mais soco dava, nem o mais cruel com a colher de pau: era um “actor”. Repassou desde a falta de água quente às ironias daquela vida sem ironia. Era feliz; sentia-se bem porque naquele cenário dissera-se o que pensava e sentia e porque a vida naqueles dias era outra. Fomos à tourada. Parece-me que comemos melhor. Os prefeitos non chateavam muito (além do Pinto que andava a marrar atrás dos fugitivos). E fomos ao baile. Andei de um lado para o outro na companhia do Hélder Pataias, do Casquinha e de mais colegas. Éramos felizes. Mas, maldita a hora, lembrei-me de unha moça que me fazia corar e separei-me do grupo para tentar sentir o seu perfume durante um pé de dança. Sabia onde estava. Fui, rodeando, até onde se encontrava a moça. Era bonita; coradinha; loira; sorriso tímido. Faltava-me pouco para a poder convidar para dançar quando fez apariçón um dos grandes “sádicos” do colégio: o Dete-Dete. O homem que facia culto à força bruta; o homem que era capaz de desfazer um ponteiro nas costas de um adolescente de primeira idade. Aproximou-se acompanhado pelo Catarino; amigos desde os tempos de Coimbra. -Olha o Montero !!! Exclamou bamboleando e rindo para o seu amigo. Mostrava sinais de ter bebido bastante mais do que suportava. Estava bêbado. -Anda cá! Apontando-me com o dedo enquanto via para o Catarino. O Dete-Dete, além de bêbado, parecia que também podia ser normal. Engano meu… Virando-se para o Catarino e falando com a brutalidade da sua condiçón e da bebida e mais que bebida, meio exclamou: -Pá: este Montero é muito mau…. Fiquei lívido. Aquele cilindro físico com cabeça rapada, mais unha vez, impusera a sua brutalidade. Senti que me estragara a noite e as festas. O Catarino, rapidamente, pegou nele e levou-o para unha esquina enquanto lhe sussurrava: -Nao digas isso. Também é meu aluno. Fiquei parado. Demorei-me. Vi a moça a olhar-me de esguelha. Non tinha espírito para sentir o seu perfume. Dei meia volta e regressei ao grupo de amigos. Nunca dancei com ela.

JOSÉ LUÍS MONTERO

MICHEL FOUCAULT (“COEFICIENTE DE ESTRANHEZA”)

Com a publicaçón de “As Palabras e as Cousas” começa Foucault unha época de mudança, na qual irá intervir em inúmeros debates e entrevistas, responder a questionários, aclarar mal-entendidos. Em poucos meses, Foucault acabará por cortar com esta dinâmica, pedindo entón unha transferência por três anos para a Universidade da Tunísia, de onde segue de lonxe a controvérsia e onde será surpreendido polas revoltas do Maio do 68. Usou esse tempo para prosseguir unha nova reflexón sobre os pressupostos do seu próprio trabalho, tentando articular, como regras de um método, os diferentes procedimentos e precauçóns que colocou em práctica nos seus três trabalhos anteriores, agora considerados xá como exercícios do “método arqueolóxico”. O libro em que Foucault está entón a trabalhar chamar-se-á “A Arqueoloxía do Saber”, entendendo por “arqueoloxía” a interrogaçón do arquivo. E chama arquivo à “massa de todas as cousas que se disseram numa cultura, que foram preservadas, valorizadas, reutilizadas, repetidas e transformadas. Toda essa massa verbal que foi fabricada polos homes, que foi utilizada nas suas técnicas e instituiçóns e que está entrelaçada com a sua existência e história”. Assim, o termo que antes caracterizava a sua maneira de trabalhar passou a definir agora um campo de trabalho. E o que procuramos neste texto é precisamente descrever esse campo. Desta vez, non será suportado por qualquer relato histórico, concentrar-se-á principalmente em ordenar problemas e propor regras de procedimento. A sua reflexón apresenta assim um nível de sistematicidade e de xeneralidade ausente nas suas obras anteriores. E unha das consequências mais imediatas é que vai permitir-lhe axustar a sua distância tanto a respeito da “análise estructural” como do estructuralismo em xeral. Porque esta massa verbal non é abordada do ponto de vista da linguaxem, non é questionado qual é o seu sistema linguístico, o olhar é axustado segundo outro plano. O que importa dessa massa verbal non é que cumpra unha determinada possibilidade da linguaxem, mas que tenha sido efectivamente dita. E a pergunta dirixir-se-á entón às condiçóns históricas que permitiram que se dissesse o que foi dito e que, no entanto, non permitiram que se dissessem outras cousas, que também era possíbel dizer. Foucault resumirá assim este campo, tecido com a existência e com a história (entrevista concedida a J. M. Palmier, 1969): “O arquivo apresenta-se entón como unha espécie de grande práctica dos discursos, práctica que tem as suas regras, as suas condiçóns, o seu funcionamento e os seus efeitos. Os problemas colocados pola análise desta práctica som os seguintes: (1) Quais som os diferentes tipos particulares de práctica discursiva que podem ser encontrados num determinado momento? (2) Quais som as relaçóns que podem ser estabelecidas entre estas diferentes prácticas? (3) Que relaçóns mantém com as prácticas non discursivas, por exemplo políticas, sociais, económicas? (4) De que transformaçóns som susceptíveis estas prácticas?”. Mas para que estas questóns possam começar a abrir-se será necessário antes libertar-se de um obstáculo maior: debem ser colocados entre parênteses dous postulados ou pressupostos: o que pressupón que a história é um processo contínuo; e o que pressupón que a consciência humana é o suxeito orixinário de todo o conhecimento e de toda a práctica. Foucault entenderá que som duas faces de um mesmo sistema de pensamento, o próprio humanismo. Investigar a massa verbal do arquivo fora da obrigaçón de ler a sua história como algo contínuo implica entón colocar em práctica um “coeficiente de estranheza”, um afastamento da própria história, que deixa entón de ser a história de ninguém para se transformar na massa do dito. A partir daí, toda a atençón se concentrará nas disrupçóns, nas diferenças, nos acontecimentos e nas ordens que som desenhadas a partir deles, nessa massa do dito. E o que aparecerá entón é unha infinidade de nexos que antes eram imperceptíbeis, porque non podiam ser atribuídos a nenhum suxeito, a nenhuma “intençón” humana.

MIGUEL MOREY