SERVIÇO DOMÉSTICO ERUDICTO (VI)

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                    Naquela época ter criados da mais alta erudiçao era bastante conveniente.  Num tempo em que se valorizava a qualidade dos textos, a retórica e as ideias, considerava-se apropriado ter a soldo pensadores capaces de compor uma apologia em alexandrinos, um discurso para ser pronunciado no Parlamento ou simplesmente capaces de recitar com elegância Virgílio, em latim, á hora do chá.  A aristocracia britânica seguia, assim os passos de outros reputados mecenas do saber, entre eles os Medici, de Florença, muito embora, ao contrário daqueles, os ingleses incorporassem os sábios no seu serviço doméstico pessoal.  Corria o ano de 1608, Hobbes tinha-se graduado em Oxford, revelando dotes excepcionais no uso da linguagem, e, por recomendaçao do director do Magdalen Hall, entrou ao serviço de uma das famílias mais ricas de Inglaterra os Cavendish do Devonshire. “Embora eu proprio fosse um adolescente, nomearam-me tutor de outro adolescente, pois continuava submetido á autoridade paterna. Servi-o satisfactoriamente durante vinte anos, e nao foi tanto meu senhor como meu amigo.  Foi a etapa mais doce da minha vida e ainda sonho gratamente com ela”.  Enquanto foi preceptor de William Cavendish, o futuro segundo conde do Devonshire, pôde continuar a sua própria formaçao, ainda que de forma muito mais autodidacta.  Passou dois anos a ler romances e depois dedicou-se ao estudo da história de Inglaterra, de Roma, de Grécia, fase durante a qual devorou com especial prazer Tucídides, que viria a traduzir para inglês.  “Foi ele que me ensinou até que ponto é inepta a democracia, e que mais juízo tem um único homem que uma assembleia inteira”.  A sua situaçao profissional permitiu-lhe também conhecer os cientistas, políticos e pensadores mais destacados da época, bem como ter accesso ás principais obras que iam publicando.  Outros grandes cérebros contemporáneos de Hobbes também serviram patronos aristocráticos; por exemplo, John Locke exerceu como médico pessoal e secretário, e o jurista John Selden também serviu um conde, e tornar-se-ia, com os anos, grande amigo do filósofo de Malmesbury.  Est vida tranquila, protegida, permitia-lhe desfrutar dos luxos próprios da classe aristocrática.  No entanto, também acarretava alguns inconvenientes. O mais evidente era a impossibilidade de usufruir de uma vida sentimental: pelo que sabemos dele, nao casou nem se lhe conhece descendência.  Considerava, talvez por essa condiçao, que a estupidez provém “do apetite de prazeres sensuais ou da carne” (A Natureza Humana, X) e que “os seus deleites se veem compensados com o tédio” (De Homine, XI).

 

IGNACIO ITURRALDE BLANCO

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