Arquivos diarios: 08/06/2017

O FASCÍNIO DE ESTALINE (XVI)

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               O fascínio indiscriminado que a figura de Estaline provoca pode parecer estranho.  Que o seu papel político e as suas intervençoes teóricas mereçem ser objecto de debate talvez nao nos devesse surpreender.  Mas a sua sombra vai muito para além disso.  Os poetas mimam-no como ao salvador da humanidade. E é assim que o veem.  Reparemos nestes testemunhos poéticos (excertos com omissao de alguns versos) de Miguel Hernández, Alberti e Neruda…  Do poema intitulado “Rússia”, de Miguel Hernández.  “Ah, camarada Estaline: de um povo de mendigos / fizeste um povo de homens que sacodem a cabeça/ e afugentam a prisao, e prodigalizan o trigo/  fazendo um imenso esforço, imensamente/ De homens que mal se atreviam a viver/ com a boca amarrada e o sonho esvravizado,/ de uns corpos que andavam, cambaleavam, rangiam,/ uma massa de férreo volume forjaste.”  Neruda nao fica atrás no seu panegírico intitulado “Ode a Estaline”:  “Camarada Estaline, estava eu junto ao mar na Isla Negra/ a descansar de lutas e viagens/ quando a notícia da tua morte chegou como um golpe do oceano./  Junto a Lenine, avançava/ e assim, com blusa branca/ boné cinzento de operário/ Estaline foi construindo.  Tudo/ era preciso/ ser homens!/ É esta/ a lei estalinista/ e é preciso aprender de Estaline/ a sua intensidade serena/ a sua claridade concreta/ o seu desprezo/ ao ouropel vazio.”  Mas a palavra de Alberti é ainda mais generosa. No seu “Rufar lento pela morte de Estaline” escreve: “Pai, mestre e camarada/ quero/ quero chorar, quero cantar/ fechou os olhos a firmeza/ a lâmina mais limpa de aço/ Pai e mestre e camarada/ um gaviao voa na escuridao./ Mas na tua barca um pombo/ mas na tua mao um pombo,/ abre-se aos céus da paz/ Estaline nao morreu.  Nao morreu./ Que cada lágrima cante/ a tua lembrança.”   Tal era a curiosa “situaçao” naqueles anos de 1930 a 1950.  Sobre a realidade da maquinária repressiva organizada pelo líder da URSS.  E Sartre nao pode desconhecer este assunto de extrema importância:  Gide, um autor pelo qual sempre declarou a sua simpatia, regressou da URSS e publicou um breve relato da sua viagem no qual refere, por exemplo, que “na URSS se admite por antecipaçao e de uma vez por todas que, em tudo e sobre qualquer questao, nao pode haver mais de uma opiniao.  O espírito das pessoas, além disso, é formado de tal maneira que o seu conformismo é fácil, natural, insensível, até ao extremo de nao conter hipocrisia”   Alfinetada compassiva mas severa.  Apesar disso Sartre decidiu manter – “sujar as maos” – o apoio ao espírito da URSS.  O mais relevante é considerar o motivo teórico da aproximaçao sartriana ao marxismo.  Pode ser caracterizado de forma breve:  Sartre lança a proposta teórico-política da confluência necessária existencialismo-marxismo.  A aposta é esta, e vai justificá-la com os acontecimentos de1952, dirigindo-se sobretudo á esquerda comunista que criticou a frustrada relaçao entre as massas e o PCF.  E para se lhe referir vai usar a questao-chave no âmago dos confrontos da altura. De que se trata?  Na verdade, de um assunto que ainda hoje é o centro dos debates políticos á direita e á esquerda.  Nao é senao a relaçao entre as massas e o partido – seja de que ordem for -, entre o proletariado e o PC na conjuntura concreta vivida por Sartre por volta de 1952.

J. L. RODRIGUEZ GARCIA