Arquivos diarios: 20/03/2017

MENTRES CAMIÑAS POR LISBOA

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Mentres camiñas por Lisboa

lembra o que sabes de Prisciliano

Someterse á maxia é crebar

a cadea das horas

Pombas espellos coxas un certo ángulo

É demasiado feble a reixa para

un soño ilícito

herexe avesedo

indica con figura xeométrica

o incerto o vago a desmedida ausencia

Despois converte as cores

en branco solidario

(loitando loita sempre)

Nacerá entón a luz nas pegadas

mentres camiñas por Lisboa

 

francisco xosé candeira

 

A EUROPA DO CHEF

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                 Noutra direçao vai seguir a Europa continental.  O  frágil prestígio da democracia no primeiro pós-guerra e o medo da acçao revolucionária das massas vao conduzir a reflexao dominante sobre a necessidade do chefe e seguir um infeliz caminho autoritário, que terá nos totalitarismos europeos a seu apogeu.  A desgraça da guerra e as dificuldades económicas dao o enquadramento propício para que o caminho intelectual da questao do chefe se faça em detrimento da questao da democracia.  Certamente inspirado em Le Bon, o comandante De Gaulle traça, em 1927, a sua visao do problema e da soluçao que preconiza:  “O nosso tempo é duro para a autoridade.  Os costumes colapsam, as leis fraquejam.  No lar como no trabalho, no Estado com na rua, é a impaciência e a crítica que suscitam, mais que a confiança e a subordinaçao.  Os homens têm necessidade, no fundo, de serem dirigidos, nao menos do que comer, beber e dormir.  Estes animais políticos têm necessidade de organizaçao, quer dicer, de ordem e de chefes.”  A tonalidade autoritária da palabra nao cessa de evoluir e adensar-se-á á medida que a extrema-direita europeia ganha posiçoes:  a necessidade do chefe torna-se desejo de chefe. depois, obsessao pelo chefe e, finalmente, culto do chefe.  Esta cultura espalha-se um pouco por toda a Europa, com diferentes roupagens – Caudilho, Duce, Führer.  O mundo soviético, apesar da teoria política assente no colectivo e na luta de classes, nao escapa ao fascínio do chefe.  Lenine, antes de ganhar o congreso do partido, escreve o livro  “Que faire?”, criando as bases teóricas de um partido de vanguarda, composto por revolucionários profissionais, capazes de comandar sem erros e dentro dos caminhos científicos da revoluçao.  Estes revolucionários experimentados e conhecedores devem ser os chefes, os que guiam e comandam, sem falhas nem estados de alma, as massas rumo á revoluçao.  Mais tarde, em 1920, Lenine defende-os contra a esquerda comunista alema que critica a “ditadura dos chefes”, identificando a “doença infantil do comunismo”;  “…toda a gente sabe que as massas se dividem em classes… que as classes sao dirigidas…  por partidos políticos;  que os partidos sao, regra geral, dirigidos por grupos mais ou menos estáveis de pessoas que reúnem o máximo de autoridade, de influência, de experiência, trazidos pela via eleitoral ás funçoes mais responsáveis, e que se chamam chefes.  Tudo isto nao é mais do que o abc.  Tudo isto é simples e claro. Porque entao a necessidade de os substituir por uma qualquer algaraviada…”  O tema do chefe parece, assim, nao escolher nem países, nem quadrantes políticos.  Da esquerda á direita. ele está na ordem do dia.  Lenine usa o termo “vozd”, que em breve será cuidadosamente reservado á direcçao política, com a zelo vocabular que sempre caracterizou o mundo comunista.  No fim de 1924, um general pergunta a Estaline o que acha da fórmula “vozd” para designar Trotsky como chefe do exército.  Este é perentório:  “É preciso conhecer o autor dessa fórmula,  “Trotsky, “vozd” do Exército Vermelho e puni-lo.  É obrigatório mudar essa fórmula”.  Esse termo, “vozd”, ficaria reservado para Lenine e para Estaline – guia, conductor, chefe.  Na Alemanha, o caminho é o mesmo.  Poucos acreditam na capacidade da democracia de Weimar para criar autoridade.  Esta teria que ser procurada fora dela.  A desgraça da derrota na guerra, veem-na os nazis como resultado da falta de chefia:  “A guerra nao poderia ter acabado como acabou em 1918 senao porque nos faltou o grande chefe político”.  Tal paranoia atinge o clímax já no período nazi:  o chefe é o povo personificado, acima das facçoes, legitimado pela história e pela acçao.  “Führerprinzip”: a vontade do chefe como lei suprema.  Carl Schmitt, talvez o mais empedernido e talentoso jurista nazi, escreve em 1937:  “O Führer é o portador da vontade popular; ele é independente de todos os grupos, de todas as associaçoes, de todos os interesses, mas é submisso ás leis essenciaes do povo”.  Dispensando-se de dizer quais sao essas leis do povo ás quais o Führer está obrigado, mas que só este conhece, prossegue:  “Ele transforma o que nao é senao um sentimento popular numa vontade consciente e cria, a partir do todo disperso, o grupo unido e pronto para agir…  Uma tal vontade geral nao é uma ficçao, como é o caso da pretensa “vontade geral” da democracia, mas uma realidade política que encontra a sua expressao no Führer”.  O chefe que, ao agir, une a naçao, encontrando nessa acçao a sua própria legitimidade.  Mas falta o toque final – Hitler:  “Até hoje nós pagamos os escrúpulos e o imobilismo dos governantes alemaes durante a I Guerra Mundial.  Toda a indignaçao suscitada pela vergonha de um tal colapso concentrou-se em Adolf Hitler para realizar nele a força motriz da acçao política.  Todas as experiências e todas as advertências contidas na história da infelicidade alema estao vivas nele.   …O Führer protege o direito contra o mau uso e abuso; no momento do perigo ele legisla directamente, em virtude da sua qualidade de Führer e de autoridade judiciária suprema”.  O chefe aparece finalmente em todo o seu esplendor – ele é a lei viva da Naçao.  Julgo que esta cultura política (disputa) que se vai estabelecer entre a América e a Europa continental – esta tem medo das multidoes; aquela nao as teme e vê nelas a possibilidade positiva de uma competiçao democrática entre quem se candidata para apontar um caminho.  A Europa procura um “chef” capaz de pôr ordem na anarquia e nas discussôes parlamentárias estéreis; a América aceita o debate, o conflito, a pluralidade de interesses, e procura o “leader” capaz de dar resposta operativa aos anseios maioritários.  O perfil europeo de “chef” é imperativo – o que manda e ordena; o “leader” americano reclama uma adesao livre – é aquele que inspira e que convida a seguir.  Na Europa continental (a Inglaterra manter-se-á fiel ás suas tradiçoes democráticas), o debate vai conducir á ideia de que o “chef” é incompatível com a democracia – ou um ou o outro.  Na América, pelo contrário, é a qualidade da democracia que exige e reclama o “leader”.  O que separa as duas teorias de comando é a democracia.

JOSÉ SÓCRATES

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