Arquivos diarios: 03/10/2020

HEGEL (UM SENTIMENTO DE IMPOSTURA)

Quanto ao pensamento que se reclama de Nietzsche, filósofo implacábel com as actitudes xenuflexas perante as convençóns estabelecidas, e que, há polo menos meio século, parece encarnar o moralizador que marcaria todo o espírito inconformista, se comprazia em apresentar Hegel como o artífice de unha espécie de muralha, que protexe precisamente os valores assentes, face à tentativa de demoliçón que é especificada em textos como “A Xenealoxía da Moral”. Schopenhauer non se mostrava apenas atónito perante a influênça da filosofia hegeliana (da qual se declaraba inimigo), pois, além disso, atribuía ao próprio Hegel unha vontade de mistificaçón. Por outras palabras, Hegel seria um corruptor do pensamento, plenamente consciente daquilo que estaba a fazer. Kierkegaard, polo contrário, parecia pensar que o nosso filósofo se encontraba realmente confundido com as suas reflexóns (unha espécie de Sancho Pança governador da Barataria do conceito); portanto, em vez de sentimento de impostura, a figura de Hegel xeraría mais hilariedade. “Tudo o que precisamos para ler Hegel é de um sólido senso comum, um toque de humor e um pouco de ataraxia grega”, chegou a escreber o pensador dinamarquês. Non menos corrosivos se mostram alguns críticos a respeito da serenidade relixiosa que esconderia este radicalismo idealista. Assim, embora Hegel afirme nas suas “Liçóns sobre a História Universal” que o “Espírito do mundo” nada tem que ver com a ideia de Deus, Roger Kimball cita parágrafos dessa obra nos quais a razón como substância e poder infinito de toda a vida espiritual e material se apresenta como “a Verdade, o Eterno, o Poder absolucto, cuxa glória e maxestade se manifestam para si mesma no mundo”, para depois concluir ironicamente: “Ámen”.

VÍCTOR GÓMEZ PIN