Arquivos diarios: 01/10/2020

DA POLARIDADE INTELECTO-SENTIDOS

Há que ter cuidado quando se interpreta este texto, atribuído a Demócrito por Galeno, pois estamos a dar um salto da Xónia de Anaximandro, Anaxímenes e sobretudo o primeiro deles, Tales, para a Trácia de meados do século V a.C. e, mais concretamente, para Abdera, fundada por colonos procedentes da cidade Xónica de Clazómenas, cidade natal de Protágoras, eventualmente discípulo do primeiro. Épocas e lugares separados, entre outras cousas, pola eclosón dos pitagóricos, que ocupariam a parte central desta reflexón. É possíbel que o problema da polaridade intelecto-sentidos non se apresente como primordial antes do próprio Demócrito. Tratar-se-ia, em todo o caso, de unha expressón mais da reflexón que o suxeito faz sobre sí mesmo e sobre o seu papel em relaçón àquilo que se apresenta perante ele. Non se trata, de forma algunha, de um debate entre algo que sería o propriamente humano (o intelecto) e algo, por assim dizer, mais alheio (os sentidos). Note-se que a própria dificuldade para se pôr do lado dos sentidos ou do intelecto faz pensar que, no caso dos seres dotados de razón, os sentidos están sempre impregnados de conceitos… E vice-versa. O intelecto suspeita que a natureza nunca é pura para ele, que aquilo que os sentidos lhe oferecem está xá impregnado de ideias e princípios fornecidos por ele mesmo, mas a isso acresce um segundo aspecto: os sentidos parecem oferecer-lhe non apenas informaçón incompleta mas também informaçón falaz. Os sentidos non seriam de confiança. Esta convicçón constituiu talvez o ponto de partida do debate. Mas como surxíu? Porque se suspeita que os sentidos non dán apenas informaçón parcial, mas sim informaçón pouco segura? Os gregos tinham-se apercebido disso considerando certas patoloxias. Ao doente de icterícia, o mel tem um sabor amargo. Um médico actual sabe que isso se debe a um excesso de bilirrubina, e que um eventual tratamento faría com que se igualasse aos outros. Mas ponhamo-nos na situaçón de um curioso observador xónico que se encontrasse na presença de dous suxeitos, um dos quais está afectado por essa doença. Um afirmaria que o mel é doce e o outro que o mel é amargo: o suficiente para pôr em dúvida a veracidade dos sentidos. Exemplo que se pode estender a outros, nos quais nem sequer intervêm patoloxias: o primeiro suxeito contempla no ar unha barra, o segundo contempla-a com a sua metade obliquamente submersa na àgua. O primeiro dirá que é rectilínea e o segundo dirá que está partida. Ambos os assuntos farán com que o observador ratifique a sua suspeita de que o testemunho das sensaçóns é pouco digno de confiança quando se afirman as propiedades obxectivas das cousas. As perguntas sobre esta pouca fiabilidade dos sentidos non deixaram de estar presentes, tendo, talvez, um momento áureo na esplendorosa reflexón que constitui o cartesiano Discurso do Método. Mas atenhamo-nos ao nosso observador xónico que, de momento, convém considerar como unha pessoa simplesmente dotada de curiosidade e sentido comum.

VÍCTOR GÓMEZ PIN