DO NOBEL AO MAIO DE 68

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O nome de Sartre aparecia entre os dos candidatos ao Nobel da Literatura desde o final da década de 50. Actualmente, decorridos os cinquenta anos que a Academia sueca se impoe para que as actas das suas deliberacoes possam ser consultadas, conhecemos os pormenores dos critérios que eram considerados á época. Sabemos por exemplo, que Sartre já fora considerado nas deliberaçoes de 57, embora a publicaçao em 1952 da sua obra dedicada a Genet – dramaturgo, romancista, mas também homossexual e ladrao – tenha provocado um escândalo entre a nao muito liberal secçao de académicos. Sabemos que em 1962, quando Steinbeck é galardoado, as actas refletem uma conside- raçao extremamente crítica sobre a filosofia de Sartre, embora se valorizem positivamente algumas das suas peças de teatro – em especial “A Porta Fechada”, “A Puta Respeitosa” e “As Maos Sujas” . Mas de novo a influência prolongada de Genet… Sartre soube que, em 1964, estava entre os candidatos e, por isso, enviou uma carta a 14 de outubro ao secretário da academia sueca: “Em primeiro lugar, transmito-lhe o meu profundo respeito pela Academia Sueca e pelo prémio com que honrou tantos escritores. Porém, tanto por motivos pessoais como por outros motivos mais objectivos que nao devem ser desenvolvidos aquí, prefiro nao constar da lista de possíveis laureados e nao posso, nem quero – nem em 1964 nem mais á frente – aceitar esta dis- tinçao honorifica.” Era demasiado tarde as deliberaçoes já ti- nham terminado há algumas semanas. O prémio ser-lhe-á atribuído nesse ano. Motivos? A breve referência da secretaria do Nobel afirma que a atribuiçao se deve a ter construído uma obra “cheia de espírito de liberdade e de procura da verdade.” que teve grande influência no século XX. A falta de compreensao filosófica transformou-se em veneraçao e a dureza da sua reflexao sobre a natureza humana em excelente brilhantismo, mas o que aconteceu verdadeiramente é que poucos meses antes publicara “As Palavras”: podemos entender que esse texto, referido neste livro, poe um bálsamo sobre o “escândalo Genet”. Renuncia ao Nobel. Na única declaraçao que aceita publicar para expor os “motivos pessoais” na carta enviada em meados de outubro, se referia a ter “sempre declinado as distinçoes oficiais”, recordando a sua renúncia á “Legiao de Honra”, ou a sua recusa de uma cátedra no Collége de France, e que a alusao aos “motivos objectivos” indica que, na sua opiniao, “o Prémio Nobel se apresenta objectivamente como uma distinçao reservada aos escritores do Occidente ou aos dissidentes do Leste”. Sinceridade ou evasivas? Estou mais inclinado a pensar que Sartre nao quer ser absorvido pelo poder – político ou literário, nao interessa -, que pretende manter a sua independência a todo o custo, intuindo que a aceitaçao do prémio mutilaria a sua capacidade de actuaçao. Beauvoir recordará a atmosfera daqueles dias em “Balanço Final”: “Como é natural, a impresa acusou Sartre de ter manobrado tudo para conseguir publicidade. Insinuaram que recusou o prémio porque Camus o tinha recebido antes dele, ou porque eu teria ficado com ciúmes. Ou que é preciso ser muito rico para se permitir cuspir em cima de vinte e seis milhoes. O que mais o desconcertou foram os escritores, que lhe pediram que recebesse o prémio e lhes desse uma parte, ou tudo, inclusivamente um pouco mais. Porem, no auge da popularidade, Sartre começa a afastar-se da actualidade intelectual. A sua biógrafa Cohen-Solal lembra-nos a que extremo inesperado e incompreensível Sartre se desentende com as novas correntes, que, como veremos de seguida, estarao a fazer fermentar um novo horizonte filosófico e a alimentar a eclosao de 1968, Barthes, Althusser ou Foucault, mas também, por exemplo, Deleuze, c omeçam a ser os referentes estimados e á volta deles organiza-se a reflexao e a agitaçao política: Sartre “negava-se a olhar de frente esses modernos e fecundos métodos de investigaçao – ou com a abertura mental que teria sido necessária”, diz-nos. No entanto, está tudo prestes a eclodir e Sartre envolver-se-á de novo numa intensa actividade política, que só a morte interromperá. Os conflictos estudantis incendeiam a pradaria no primeiro trimestre, para recordar a uma metáfora muito utilizada por aqueles anos.
J. L. RODRIGUEZ GARCIA
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