.
Cantas veces pregunto polo resplandor
que despiden os teus ollos noviños
demorándose ceibes nas paisaxes
lonxanas do horizonte fuxidío
vendo correr a nidia auga das fontes
por cativos regatos coma serpes.
Cantas veces presinto as túas mans
intentando apreixa-la luz do abrente
ou as cores confusas do solpor
ou as herbas das veigas verdegantes.
!Cantas veces pensei nas túas mans
e nos teus ollos doces coma uvas!
FRANCISCO XOSÉ CANDEIRA
Publicado en Uncategorized

.
I
!Ouh mociña, regatos e montañas!
É agreste o meu canto e mañanceiro,
e son ledicias tantas e tamañas
que deixan labio de viño algareiro
neste val verde, inmenso en que te bañas.
!Quizais un pouco pole muiñeiro
en min as saibas, ríos e fontes deixan
e así amores ardentes xa me apreixan!
.
II
A ti che canto, moa muiñeira:
roda, pedra e mundo deste país.
Ouh musa eterna, fada cantareira:
¿son eu quizais ventureiro Amadís
fiel por sempre a unha Oriana garuleira,
muiñando verde soño en celamís?
(A vida é un soño – cria Segismundo-.
!Poesía é broa para este mundo!)
III
A ti che canto, hórreo, igrexa da eira:
sol, espigas, castañas e centeo
gardas na túa nave milagreira.
Nos teus aleiros fan o niño arreo
as pombas e unha rola altaneira.
Un galo espreita e algún rato feo.
!Alégrate toliño vagamundo!
Versos e pan farán un grande mundo.
francisco xosé candeira
Publicado en Uncategorized
.
Ha ser teu riso turxente ondeando alto en teu peito.
a abrolla-lo breve abrente infindo sorriso afeito.
Ha ser teu corpo un olvido por rúas cegas de luz
un corpo esguío, tal bido, coa calor a contraluz.
Será unha ra e unha barca
reabre o teu ollar salobre
e nos teus portos, ribeiras
abertas á noite dobre,
arribarán quizais fontes
ou trémulas eguas albas
chegadas dos irtos montes
ata este ermo de ondas malvas.
francisco xosé candeira
.
Publicado en Uncategorized

.
Que muyto meu pago d’este verao
por estes rramos e por estas flores,
e polas aves que cantan d’amores,
por que ando hy led’e sen cuydado;
e assy faz tod omen namorado:
sempre y anda led’e muy louçao.
Cand’eu passo per alguas rribeiras
so boas arvores, per boos prados,
se cantan hy passaros namorados
log’eu con amores hy vou cantando.
AIRAS NUNES
.
.
Publicado en Uncategorized

.
No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercibida;
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que nao se arme e indigne o Céu sereno
contra um bicho da terra tao pequeno?
Tu, só tu, puro amor, com força crua,
Que os coraçoes humanos tanto obriga,
Deste causa á molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.
Estavas, linda Inês, posta em sossego
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna nao deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e ás ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que depois de morta foi Rainha.
LUIS DE CAMOES
Publicado en Uncategorized
.
.
Talmente as illas polas augas
saberte rodeada por um mar de frondes
sempre vivas de brisa e luz
saberte nena con pombas muller
Nereida harmoniosa ou Afrodita
quererte illa helénica no Mundo
tamén Koré risoña e Amazona
Ménade danzante Lemnia de Fidias
saberte deusa estatua de Amelung
si ó menos saberte áurea de riso
hoxe e sempre proxenitora de albas
mentirosamente lonxana e ausente
tal unha Oseira herexe saberte aquí ancorada
ó mundo de aquí e ó mundo celeste
tal un Sobrado avesedo saberte
cómplice das montañas e das fontes
ledamente unida ó corpo da Terra
tal unha Compostela eterna por sempre saberte dona
do corazón dos deuses no medio do banquete ebrio dos homes.
francisco xosé candeira
Publicado en Uncategorized

.
É como um amor. Algo que permanece aí latente. Estimula e acelera o andamento. O ensonhamento galopa, e a imaxinaçao transborda, ditirâmbica e hiperbólica. Afastando o tédio da nossa frente, e tendo o poder de banalizar tudo. Um sempre pode sorrir secretamente, enigmáticamente (com verdadeira sorrisa Etrusca). ¿Se souberas que eu, encontrei um tesouro? Tudo aconteceu sem querer, como sempre, quando o destino se confabúla com os ástros, e as estrelas mais lonxanas, e as linhas, as tanxentes e as secantes, e a maxía de Prisciliano que advem do Multiverso quântico. Estava eu, plantando um castanheiro no monte, quando inesperadamente algo gritou !!cráck!! Pois, muito a meu pesar, tinha partido um cacharro de negro barro prehistórico, que dormia o seu sono eterno, rodeado de pedras d’algunha tumba perdida para sempre, da memória das xentes e das coordenadas quadridimensionais de Minkovski. A partir d’enton, estabeleceu-se unha heroica rivalidade, entre o admirável povo Chinês (que ainda hoxe em dia, conserva invioladas várias tumbas de Imperadores, apesar dos tesouros arqueolóxicos que se adivinham no seu interior), e eu. ¿A ver quém aguanta mais? País meu, a tua riqueza é tanta e tamanha, que aparece por qualquer rua, até brota do chan em lugares recônditos, cheios de Fado e bem-aventurança. “!!Meu país!! !!Meu país!! ¿Nao sei, se te cante ou chore? ¿Nao sei, se te grite um dia? Rasgo a alma, e digo em pranto. !!Que eu por ti, ainda morria!!”
antónio argibay sebastián
Publicado en Uncategorized

.
OU POEMA PARA CELSO EMILIO FERREIRO
.
Compostela demórase e resoa
en longo eco de pedra, en eco longo
vai na noite estrelada camiñando
e tarda camiñando
por entre a noite longa
Celso e a cidade soa
Pois un gato infindable afogado
maiando a Eternidade, Celso Emilio,
trae pedra pendurada á gorxa, o eco
resoa o paso seco
de andar excelso, idilio
en reixa aferrollado
que nos volve lonxana chuvia lenta
loita esteada en cárceres
torres xuntando estrelas e reclamando xente anterga, xente
felina liberdade, ese camiño…
Entre Rúas de soños, fero azul da Quintana ergueita, arcadas
en pedra retumbando un berro longo.
francisco xosé candeira
Publicado en Uncategorized
.
Ao contrário de Lula, o carisma de Roosevelt nasce da emergência e da instabilidade política. A sua liderança teve de enfrentar nao apenas um, mas dois momentos de crise intensa: a Grande Depressao e a Segunda Guerra Mundial. Ganhou nos dois – salvou a América do colapso económico e venceu a maior guerra de sempre. Roosevelt ganhou, mas nao com base na astúcia ou na virtude táctica. Pelo contrário, apostou sempre no desafio e na luta, enfrentando os seus adversários com energia e pouco procurando o compromisso ou o entendimento. É com ele que o Keynesianismo triunfa, que a esquerda americana constrói o seu programa reformista, e que o Estado social encontra o seu tempo. Por um momento, a América parece ultrapassar a Europa no desenvolvimento das políticas públicas e no papel do Estado na economia. Nunca na história da América tinham sido adoptadas reformas tao corajosas e radicais tendentes á reduçao dos privilégios e das desigualdades: investimento público, impostos progressivos, segurança social, negociaçao colectiva. O “new deal”, para os padroes políticos dos Estados Unidos, representou uma profunda e definitiva transformaçao democrática. Roosevelt foi dos primeiros políticos a perceber a importância dos meios de comunicaçao de massas. Criou as suas “conversas á lareira” (fireside chats), forma com a qual podia contactar directamente com cada um dos milhoes de americanos que esperavam do presidente um programa de acçao para vencer a depressao económica. Através dessas emissoes de rádio, o presidente explicava as suas políticas e as suas decisoes, recorrendo a uma linguagem simples e a metáforas convincentes. O êxito dessas conversas foi tao forte que se transformaram numa tradiçao política. Ainda hoje o presidente se dirige semanalmente aos Americanos através de uma emissao de rádio. Mas, naqueles dias, todo esse novo mundo da comunicaçao de massas foi mobilizado, dando novo vigor e uma nova potência á palavra e á acçao política. Arthur Miller, no delicioso ensaio que escreveu de comparaçao entre o político e o actor, dirá que “só conheci um único dirigente a que pudesse chamar com toda confiança “o Presidente dos Estados Unidos”, e esse alguém foi Franklin Roosevelt. Eu seria tentado a afirmar que ele nao era um actor, mas certamente porque ele o era excelentemente”. No entanto, como o próprio conta, o laço que o ligou para sempre ao presidente nada teve a ver com a imagem, mas com a acçao política. A criaçao do fundo de empréstimo aos proprietários fez aumentar para o dobro o período de pagamento e baixar para um quarto os pagamentos mensais, o que evitou o despejo de muitas famílias americanas, entre as quais a de Arthur Miller. Diz ele, recordando esse período: “Depois de eleito, e durante os seus primeiros cem dias, mudou de alto a baixo a Administraçao, suscitando novos serviços destinados a lutar contra o desemprego, o empobrecimento das classes médias, a fome real que se espalhava no país. O tempo da Lucidez sucedia ao da Negaçao”. A importância que normalmente se atribui á fabricaçao da imagem e, em consequência, do carisma pessoal deve ser relativizada. Afinal de contas, a acçao acaba por contar muito mais do que a ilusao. As novas técnicas de comunicaçao permitiram a Roosevelt sobre tudo criar um forte e dinâmico movimento social de mudança – o seu movimento carismático. Sempre fez questao de liderar pessoalmente a mudança, nunca delegou o que era sua responsabilidade, nunca se esquivou e, pelo contrário, sempre que teve oportunidade fez-lhe frente, encarando sem receio os ataques mais violentos. É verdade que a comunidade carismática, formada pelos milhoes de desempregados marginalizados socialmente, e que mantinham os seus anseios e aspiraçoes, há muito que existia. Mas nao tinha consciência de si nem da sua força. Foi preciso dar-lhe voz, juntá-la, dinamizá-la, para que existisse como realidade social. Essa força social foi a do homem comum americano. O povo mais humilde e mais abandonado pelas instituiçoes viu num filho do privilégio o seu defensor e o seu líder. Nada mau para o aristocrata de Hudson River. Também na guerra, a primeira grande decisao foi contrária ao sentimento dominante na América de vingança sobre os japoneses. Roosevelt decidiu o que parecia impossível impor aos Americanos depois de Pearl Harbor: “Germany first” – a guerra ganha-se primeiro na Europa, só depois no Pacífico. O que é hoje considerado como uma das mais lúcidas decisoes estratégicas enfrentou sérias reservas na cúpula militar e na opiniao pública americana, pelo que significou de prioridade na alocaçao de recursos – tropas, armas, navios, avioes – ao teatro de guerra europeu. O mesmo aconteceu com o controverso programa “lend-lease”, que permitiu fornecer armamento á Gra-Bretanha durante o período em que esta, isolada, lutou corajosamente e numa situaçao desesperada contra a ameaça nazi. Esta decisao de ajudar a Gra-Bretanha esteve longe de ser fácil, já que o consenso isolacionista americano era muito forte e o próprio Roosevelt tinha prometido ás famílias americanas, durante a sua campanha eleitoral, que os Estados Unidos nao se envolveriam nas loucuras das guerras europeias e que nenhum dos seus filhos seria arrastado para o campo de batalha. Mas se um método nao resulta, como el próprio dizia, adoptemos outro, porque o importante é continuar a tentar até ser bem-sucedido. Com rapidez, mudou o plano e dedicou-se a convencer os Americanos que era preciso fazer alguma coisa. Numa das suas intervençoes radiofónicas, punha as coisas desta forma: se a casa do meu vizinho está a arder, nao será melhor emprestar-lhe a mangueira antes de o fogo atingir também a minha casa? Os Americanos, ainda relutantes e desconfiados, admitiram. Essa decisao evitou a derrota da Gra-Bretanha. A história do século XX mostra-nos a evidente ligaçao de situaçoes de crise política e económica com o aparecimento de fenómenos carismáticos autoritários. Este costuma ser o momento dos apelos providencialistas e da demanda dos “escolhidos” para a salvaçao pública. Tal foi, sem dúvida, o caso das carreiras políticas de Hitler ou de Mussolini que marcaram todo o século XX. Mas a presidência de Roosevelt mostra também que nem sempre é assim, e que a saída da crise pode também ser fruto de um carisma baseado numa proposta progressista, inovadora e democrática. O seu triunfo fez-se, é certo, numa aliança forte entre o povo e o presidente, e muitas vezes em confronto com as intituiçoes jurídicas e com as forças económicas dominantes. Cometeu erros, sem dúvida, e talvez o pior tenha sido ignorar as garantias constitucionais quando obrigou milhares de americanos descendentes de japoneses a abandonarem as suas propriedades e bens, declarando a costa leste como teatro de guerra. O congresso só muitos anos depois reconhecerá o erro e o abuso. Mas nao há dúvida de que a sua presidência teve como resultado um aprofundamento democrático e um progresso social assinalável. Quando o supremo tribunal americano quis declarar inconstitucionais as medidas económicas do “new deal”, Roosevelt ameaçou com a modificaçao das regras de nomeaçao dos juizes. A ameaça, apesar de derrotada no congresso, acabou por ter o efeito pretendido, pois o tribunal decidiu aprovar as reformas. Ackerman chama a estes momentos – o “new deal” ou a posterior luta pelos direitos cívicos – “quase constituintes”, porque, embora a Constituiçao americana continuasse inalterada, eles mudaram para sempre a forma como esta é lida e interpretada. O legado de Roosevelt representou uma extraordinária mudança na cultura política americana. Roosevelt liderou na guerra como na reforma económica – com um inquebrantável e contagiante optimismo num futuro mais próspero e pacífico. No entanto, a sua vida política foi tudo menos fácil. Também ele, como sempre acontece com a autoridade carismática (como já referimos a propósito da vida política de Lula da Silva), foi continuamente chamado a prestar provas. Provas perante o sofrimento físico; provas nas mudanças políticas e sociais que empreendeu e que insistiu sempre em levar até ao fim; provas na conduçao da guerra. Foi o único presidente a ser eleito quatro vezes seguidas, mas os seus adversários nunca lhe deram tréguas e ele sempre os enfrentou com uma serena confiança que surpreendeu muitos dos seus contemporâneos. Na última campanha, já visivelmente enfraquecido, os seus opositores lançaram um venenoso ataque, acusando-o de ter mandado um barco de guerra buscar a sua cadela, esquecida em férias, á residência de Warm Springs. Em resposta, Roosevelt dirá que os republicanos já o tinham insultado antes, a ele e á sua família, mas que isso nunca o tinha afectado. No entanto, a sua cadela, Fala, essa estava muito ofendida e nada disposta a esquecer o assunto porque era… irlandesa. O espirituoso e superior discurso de resposta ficará para a história da boa retórica política americana. Mas talvez o facto mais extraordinário na sua vida política seja ter feito tudo isto paralisado da cintura para baixo e sem poder andar nos últimos vinte e três anos da sua vida. A América consagra-lhe, com justiça, um lugar de destaque entre os presidentes mais influentes da História do país: Washington, que o fundou, Lincoln, que o preservou, e Roosevelt, que o livrou da crise económica e venceu a guerra.
.
josé sócrates
.
Publicado en Uncategorized

.
PARA ELA, EN LISBOA
Ela é leda e mariñeira
moi alba e ben asombrada:
que muda a xerfa mareira
en ás de seda soñada.
Ela é lizgaira e alfareira
moi branca e ben entendida:
que troca a arxila da eira
en luz de cousa florida.
É unha alma marela e malva:
que leu a Pessoa en Lisboa
e o “Fra Vernero” en Trasalba.
A Febo e a Baco entoa.
FRANCISCO XOSÉ CANDEIRA
Publicado en Uncategorized

.
ROB ROI (O RATINHO)
Em terra segura. Alá nos “High Landers” do “Clan” de Guilhade. Dormia todo espatarrado sobre um monte de palha, d’algum coberto incógnito, Roi o ratinho. As chúvias da aldeia perdida na primavera, repingavan nas telhas de barro e corrian polos caneiros abaixo, até mergulharem no barril velho da esquina. Alí docemente aconchegado, quentinho, ó abrigo dunha nái verdexante e farturenta. A sua imaxinacion ingrávida voava, sobre os telhados e barreiras de arame ferruxento dos quintais. O seu sonho levita com a lixeireza da liberdade, na busca dum sol roxinho e morno que se estende cara ó sul, percorrendo um horizonte inflamado de ideias. Seu sonho á procura, do ideal do mundo, onde todos os animais foram vexetarianos, e non precisaran matar para comer. Todos irmandados, pelo calor do sul, onde as cousas son mais verdadeiras e ledas, e a xenerosa nái, Natureza, desparrama gratuitamente os seus encantos. Sonhando, abandonado dos medos da vida, o nosso ratinho, quedou-se num leve roncar, e nunha respiracion largamente pausada… !chui!
.
antónio argibay sebastián
Publicado en Uncategorized

.
“Pero eso le ocurría siempre en Lisboa:
no acertaba a distinguir entre
el desconocimiento y el recuerdo
(A. Muñoz Molina. El Invierno en Lisboa)
a RUI FILIPE FLORENTINO
Procura pouco a pouco as máscaras do soño
que ascenden en noite promisoria
por unha ponte intensa de pilastras de néboa
e arcos voadores.
Que ascenden ou xa non.
Esquece podre Morte e catedrais perfeitas.
Non saben estas pombas de altos ceos.
Camiña e nace sempre:
!loce tan preto o teu pranto primeiro!
Outra vez aquí o Destino dos homes,
o delirio silandeiro, a raigame da luz:
as ruelas de brillo arcaico e húmido.
¿Camiñas e non sabes distingui-
lo descoñecemento do recordo?
Si, estás en Lisboa:
Bairro Alto, Alfama, A Graça,
os barcos insistentes, os andares
diversos do Pessoa,
poeta viaxeiro do misterio,
pantasma das cidades inconclusas.
francisco xosé candeira
Publicado en Uncategorized

.
Lula da Silva é um interessante exemplo carismático contemporâneo, por duas razoes. A primeira é que ele nao resulta de uma situaçao de crise; pelo contrário, desponta num quadro de normalidade institucional e de estabilidade política. A segunda é que se trata incontestávelmente de um carisma favorável ao aprofundamento democrático. Esse carisma tem uma longa história e uma dupla origem. O primeiro momento é o percurso singular de alguém que sofreu pessoalmente a exclusao e a pobreza e que lutou contra a ditadura militar e a favor dos direitos políticos e sociais, num período em que a tortura e o risco de vida exigiam mais do que a coragem política. Depois, num segundo momento, ele resulta do indiscutível êxito da sua governaçao na promoçao da igualdade económica e no que isso significa de efectivo avanço democrático E nao foi apenas o resultado, mas o método. Nem o discurso nem a linha política de Lula foram marcados por um qualquer ressentimento ou por um ajuste de contas social, mas fundada na superioridade da proposta de uma nova e mais elevada plataforma social de igualdade e de coesao que favorecesse todos – a economia nacional, a democracia nacional, o prestígio internacional do país. A divisao e o traumatismo social causados por décadas de gritantes e escandalosas desigualdades nunca encontraram um discurso de desforço por parte de uma esquerda finalmente vencedora, mas uma proposta de inclusao que pudesse ultrapasar esse passado com um projecto de reconciliaçao social com mais justiça, menos pobreza e mais oportunidades. O mérito de Lula foi convencer os brasileiros de que todos tinham a ganhar com isso. O resistente passou a reconciliador. O radical passou a fazer do compromisso um caminho bem-sucedido. O passado iníquo foi ultrapassado sem vingança social e sem ressentimento, em nome de um novo pacto social de maior igualdade. A sua liderança resultou um triunfo sobre todos os preconceitos – os da direita e os da esquerda. Numa divertida conversa com os seus camaradas, punha as coisas desta forma: “antes, no sindicalismo, dizíamos que a culpa era dos patroes; depois, na oposiçao, a culpa era do governo; finalmente, já no governo a culpa era… do governo americano. É talvez a altura de fazermos qualquer coisa”. E fez. O governo de Lula mostrou que a esquerda sul-americana está pronta a governar com responsabilidade, pondo de lado o discurso radical e extremista e fazendo as reformas necessárias para uma sociedade mais justa e, portanto, mais democrática. No mesmo momento em que tirava milhoes de pessoas da miséria, melhorava a economia nacional e colocava o Brasil num patamar que nunca antes tivera no domínio das relaçoes internacionais, jamais, como no seu tempo, o Brasil foi tao escutado, tao ouvido e tao influente. O sucesso na política externa e o reconhecimento internacional foram talvez o que mais custou a aceitar pelos seus adversários políticos. A organizaçao do Mundial de Futebol e dos jogos Olímpicos sao os símbolos desse período. Em 2010, sob a sua mediaçao, Lula da Silva obteve um acordo para pôr fim ao conflito entre a comunidade internacional e o Irao. Os Estados Unidos recusaram-no. No entanto, se compararmos as condiçoes desse acordo de princípio com o que foi recentemente assinado pelos dois países, podemos ver que a sua rejeiçao resultou de puro preconceito. Era talvez de mais para o sucesso do ex-sindicalista sem estudos, sem experiência internacional, sem saber línguas e que tinha apenas do seu lado o conhecimento do seu país e do seu povo, a sua inteligência, a sua intuiçao, a sua vontade e a sua convicçao. Joao Gilberto cantava “Brasil com S”. Nos útimos anos, esse “S” foi de Silva, Lula da Silva. Á liderança de Lula nao faltou sequer esse elemento que pertence ao coraçao do fenómeno carismático – a condiçao de ter de, a todo momento, prestar provas. Assim foi toda a vida: na liderança sindical e na eleiçao presidencial, que só conquistou na quarta tentativa. Nunca nada lhe foi oferecido sem luta. A sua distinçao foi sempre sujeita a exames periódicos de inteligência política e de combates exigentes. Em qualquer caso, a sua liderança baseou-se sempre no reconhecimento dos pares e teve sempre que provar no terreno da luta política para se facer aceitar. Nunca teve do seu lado nem a legitimidade do nascimento nem a proteçao de um qualquer “establishment”. Foi preciso fazer-se a si próprio e tantas vezes sozinho. Foi preciso construir tudo, e tudo do início como fez com o Partido dos Trabalhadores. E, agora, quase dez anos depois de sair da Presidência, volta a ter de prestar provas perante uma direita política que quer arrancar pela força o seu retrato da galeria dos presidentes. A falsa acusaçao de corrupçao transforma-se no novo “punhal de Brutus”; a manipulaçao política do aparelho judicial parece ser o substituto ideal dos militares. O esforço democrático de Lula para transformar o Brasil teve subitamente um retrocesso. O golpe constitucional do “impeachment” mostra o caminho que ainda falta percorrer na aceitaçao das regras inerentes ao “fair play” democrático. A direita política brasileira, em poucos meses, mostrou que é capaz de tudo, ou seja, que os limites da convivência e mútuo reconhecimento que a democracia impoe pouco contam. O velho leao tem mais esta prova pela frente. O último capítulo desta vida extraordinária nao está ainda escrito. Mas promete.
JOSÉ SÓCRATES
.
Publicado en Uncategorized
.
Lisboa é un palco nítido de soños
esquecido no ventre das gaivotas
nas azas fatalistas da Saudade
no silencio de cinza das súas pombas
percorrendo o ceo branco da cidade.
!Lisboetas – deixai mentir convosco –
non hai fogo en Lisboa, no Chiado!
Tristes gaivotas soñan con o Bosco
e as pombas algún soño alucinado
ben lonxe do Rossio, alén do Texo.
(Recordo “As tentaçoes de Santo Antao”:
¿é un Incendio Lúcido o que eu vexo?
¿é acaso un Navegante? ¿Diogo Cäo?)
Lisboetas, deixai dicir convosco:
voltarán pombas, soños e gaivotas.
.
francisco xosé candeira
Publicado en Uncategorized

.
Pierre Rosanvallon refere-se á obra de Weber outorgando-lhe o mérito de reconhecer a administraçao e a burocracia estadual como condiçao da democracia nos modernos Estados de massas. Isso é bem verdade, mas esconde a outra face da mesma moeda: a profunda desconfiança de Weber em relaçao á burocracia enquanto ameaça ao poder efectivo da democracia e entrave á vontade popular de mudança. Entendamo-nos. Para Weber é evidente que, embora com alguns perigos autoritários, o fenómeno de racionalizaçao nos Estados modernos conduziu a uma extensao dos aparelhos burocráticos com objectivos bem meritórios do ponto de vista democrático. Os aparelhos administrativos estaduais favoreceram a segurança, a igualdade jurídica e a previsibilidade nas relaçoes sociais. Reduziram fortemente os aspectos arbitrários de governaçao. Esse movimento foi desde logo imposto pelas condiçoes económicas do mercado capitalista, exigindo regras claras do direito capaces de assegurar a continuidade e a eficácia governativa. De um ponto de vista liberal, isto deve ser creditado a seu favor. Também a democracia deve alguma coisa á administraçao burocrática, já que esta resulta também do crescente movimento democrático de igualdade. O horror ao privilégio e o alargamento da participaçao política apelam para a regularidade burocrática, impondo a impessoalidade e abstraçao no exercício dos poderes do Estado: “…todo o nivelamento social… favorece a burocratizaçao que é, por todo o lado, a sombra da “democracia de massas” em progresso”. Todavia, a preocupaçao mais moderna de Weber (digamos assim) é, sem dúvida, o poder excessivo dos aparelhos burocráticos quando únicos actores em cena. O monopólio do poder pelos especialistas ou funcionários é, aos seus olhos, o principal perigo que ameaça a liberdade e a escolha popular nas sociedades comtemporâneas. Se a democracia directa contém em si uma instabilidade intrínseca essencial, nao é menos verdade que uma democrácia entregue ao poder burocrático, apesar de impedir a anarquia, pode também conduzir á parálise e a uma profunda desconsideraçao e afastamento das aspiraçoes populares. A principal característica deste poder burocrático resulta de ser impessoal e anónimo, impedindo a responsabilidade política. Assim o vê também Hannah Arendt: “O poder burocrático, o poder anónimo do burocrata, nao é menos despótico por “ninguém” o exercer. Pelo contrário, é ainda mais temível, porque ninguém pode falar com esse “ninguém” ou pedir-lhe seja o que for”. É um poder vazio e sem rostro, um reino da apatia e da inaçao que olha com horror, a iniciativa e a inovaçao, e cuja inclinaçao mais forte é, no geral, nada decidir. Poder, finalmente, que assenta na força do conjunto e na lealdade dos seus membros ao colectivo. Bourdieu, mais uma vez, decreve-o de forma certeira: “A lei fundamental dos aparelhos burocráticos quer que o aparelho dê tudo (e nomeadamente o poder sobre o aparelho) aos que lhe dao tudo e que dele esperan tudo porque nao têm nada ou nao sao nada fora dele; em termos mais brutais, o aparelho importa-se mais com aqueles que mais se importan com ele porque sao esses que lhe importan mais”. Entregues a si próprios, eles constituem o reino dos personagens da “honesta mediania” cuja promoçao e previlégio dependem da sua fidelidade á norma e á hierarquia, protegendo assim o conjunto da ameaça dos espíritos criativos e, em consequência, potencialmente rebeldes. A intervençao de Weber, quer no plano científico, quer no plano da estricta intervençao política, foi sempre a de procurar um equilibrio nas duas dimensoes necessárias da vida democrática: a rotina burocrática e a vontade política. A personalizaçao carismática nasce como consequência do dever democrático de assumir responsabilidades políticas pelas escolhas feitas, evitando a governaçao burocrática e sem rostro – a democracia acéfala. Se a burocracia é uma necessidade imperiosa das sociedades industriais complexas que devem ser reguladas pelo direito e pelo mercado, nao deixa de ser verdadeiro o perigo da dominaçao burocrática como entrave a qualquer inovaçao ou mudança, desapossando o poder político da sua capacidade de acçao em proveito de uma tecnocracia que, entregue a si própria e ás suas “lógicas intrínsecas”, visa apenas a sua própria perpectuaçao como máquina. …Como, entao, substituir a conduçao do Estado pelos funcionários por políticos capazes de tomar decisoes e assumir responsabilidades? A formulaçao destas questoes deixa claro a sua preocupaçao política dominante: a mediocridade do pessoal político selecionado com base em critérios administrativos e a ausência de responsabilizaçao política perante o povo. Mais uma vez, o seu maior receio está no domínio frio, inerte e impessoal da burocrácia, resultado último da eliminaçao de qualquer mudança, de qualquer inovaçao ou de qualquer dimensao emotiva nas escolhas políticas.
JOSÉ SÓCRATES

Publicado en Uncategorized