TEREZA BATISTA 1972
TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA (PUBLICADO EM 1972)

“Já que pergunta com tanta delicadeza, eu lhe digo, seu moço: Desgraça só carece começar. Começou, nao há quem segure, se alastra, se desenvolve, produto barato, de vasto consumo. Alegria, ao contrário, meu liga, é planta sestrosa, de amanho difícil, de sombra pequena, de pouco durar, nao se dando bem nem ao sol, nem á chuva, nem ao vento geral, exigindo trata diária e terreno adubado, nem seco nem úmido, cultivo caro, para gente rica, montada em dinheiro. Alegria se conserva em champanha; cachaça só consola desgraça, quando consola. Desgraça é pé de pau resistente, muda enfiada no chao nao demanda cuidado, cresce sozinha, frondosa, em todo caminho se encontra. Em terreiro de pobre, compadre, dá de abastança, nao se vé outra planta. Se o cujo nao tem a pele curtida e o limbo calejado, calos por fora e por dentro, nao adianta se pegar com os encantados, nao há ebó que dé jeito. Lhe digo mais unha coisa, meu chapa, e nao é para me gabar nem para louvar a força dos pés-rapados mas por ser a pura verdade: só mesmo o povo pobre possui raça e peito para arcar com tanta desgraça e seguir vivendo. Tendo dito e nao sendo contestado, agora pergunto eu; que lhe interesa, seu mano, saber das mal-aventuras de Tereza Batista? Por acaso pode remediar acontecidos passados?
Tereza carregou fardo penoso, poucos machos aguentarian com o peso; ela aguentou e foi em frente, ninguém a viu se queixando, pedindo piedade; se houve quem-rara-vez-a ajudasse, assim agiu por dever de amizade, jamais por frouxidao da moça atrevida; onde estivesse afugentava a tristeza. Da desgraça fez, pouco caso, meu irmao, para Tereza só a alegria tinha valor. Quer saber se Tereza era de ferro, de aço blindado o coraçao? Pela cor formosa da pele, era de cobre, nao de ferro; o coraçao de manteiga, melhor dizendo de mel; o doutor dono da usina – e quem melhor a conheceu? – dois nomes lhe oferecera, por nenhum outro a solicitando; Tereza Mel de Engenho e Tereza Favo-de-mel. Foi toda a herança que lhe deixou.

Retrato de Jorge Amado
Na vida de tereza a desgraça floresceu cedo, seu mano, e eu queria saber quantos valentes resistiriam ao que ela passou e sobreviveu em casa do capitao. Que capitao? Pois o capitao Justo ou seja o finado Justiniano Duarte da Rosa. Capitao de que arma? As armas dele eram a taca de couro cru, o pubhal, a pistola alema, a chicana, a ruindade; patente de rico, dono da terra; nao tao rico nem de tanta terra que desse para dragonas de coronel, embora bastante para nao permanecer reles paisano, para por divisas no nome. Terras de coronel- léguas e léguas de campo, de verde canavial – possuia Emiliano, o mais velho dos Guedes, o dono da usina; no entanto, doutor formado, com o anel e canudo, se bem nao exercesse, nao queria outro título. Sao os tempos modernos, cunhado, mas nao se apoquente, mudam os títulos – coronel é doutor, capataz é gerente, fazenda é empresa-, o resto nao muda, riqueza é riqueza, pobreza é pobreza com fortuna de desgraça.
Posso lhe afiançar, irmaozinho: para começo de vida a de Tereza Batista foi começo e tanto; as penas que em menina penou bem poucos no inferno penaram; orfa de pai e mae, sozinha no mundo- sozinha entre deus e o diabo, dela nem mesmo deus teve lástima. Pois a danada da menina assim sozinha atravessou o pior mau pedaço, o mais ruim dos ruins, e saiu sa e salva do outro lado, um riso na boca. Um riso na boca, em verdade nao sei, digo de ouvir dizer. Se o prezado quiser devassar os particulares do caso, dos começos de Tereza Batista, embarque no trem do Leste Brasileiro para as bandas do sertao, por lá sucedeu, quem assistiu que lhe conte com todos os ípicilones.
Difícil para Teresa foi aprender a chorar, pois nasceu para rir e alegre viver. Nao quiseram deixar mas ela teimou, Teimosa que nem um jegue essa tal da Tereza Batista. Mal comparando, seu moço, pois de jegue nao tinha nada afora de teimosia; nem mulher-macho, nem paraíba, nem boca-suja – ai, boca mais limpa e perfumada!-, nem jararáca, nem desordeira, nem puxa-briga; se alguém assim lhe informou, ou quís lhe enganar ou nao conheceu Tereza Batista. Tirana só em tratos de amor; como já disse e reafirmo, nasceu para amar e no amor era estrita. Por que entao a chamaram de Teresa Boa de Briga? Pois, meu compadre, exatamente por ser boa de griga, igual a ela nao houve em valentia e altivéz, nem coraçao tao de mel. Tinha aversao a badernas, nunca promoveu arruaças mas, decerto pelo sucedido em menina, nao tolerava ver homem bater em mulher.
Tudo pode ser, nao afianço, nao contesto, nada me espanta, de nada duvido, nao tomo partido, nao sou daquí, vim de fora. Mas veja vossa senhoria, meu distinto, como o mundo é duvidoso – a Tereza que eu conheci e dela passo testemunhas, da alcunha Tereza da Lua Nova, era da cor e da natureza do mel, cantava modinhas, mais pacata e mansa, mais terna e dengosa. Tereza, flor que é rima de dor, flor para rimar com amor. foi assim que fechou o corpo; Tereza Corpo Fechado, fechado para bala, punhal e veneno de cobra.
jorge amado

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